Por Ricardo Mazzon, Dpto. de Microbiologia, UFSC

A sífilis epidêmica, doença causada pela espiroqueta Treponema pallidum subesp. pallidum, provavelmente é tão antiga quanto o advento das civilizações humanas modernas. Isto porque existem relatos de doenças com característica bastantes similares e de transmissão sexual que remetem à sífilis, embora sem comprovação, já no antigo Egito. Acredita-se que a primeira descrição confiável da sífilis ocorreu no século XV, devido a um evento epidêmico de grandes proporções na Europa a partir do retorno das tropas francesas regressando da Itália. Nessa época, a doença apresentava alta letalidade. Durante a Primeira Guerra Mundial, foi a segunda doença que mais afastou combatentes, perdendo apenas para a gripe espanhola. Já no início do século XVI, tinha-se a noção da transmissão da sífilis por meio de intercurso sexual, sendo que essa foi a provável explicação para a sua disseminação pelo mundo.
Após 50 a 100 anos do evento epidêmico de 1495, a doença se tornou menos agressiva e menos letal, se mostrando mais episódica como é atualmente. Ela passou a apresentar fases mais marcadas, sendo a primeira fase representada pelas úlceras genitais, que se cicatrizam espontaneamente sem tratamento. Na segunda fase, na qual há o desenvolvimento de erupções cutâneas, febre e dores intensas. Em seguida, a infecção torna-se latente e assintomática por muitos anos até que a fase terciária da doença se manifesta por abcessos, úlceras, deformações (lesões gomatosas) culminando em debilidade severa e morte.
Nenhum tratamento efetivo era conhecido. Vale lembrar que os primeiros antibióticos datam de meados do século XX, logo, não havia um arsenal farmacológico de combate ao microrganismo. A primeira tentativa de tratamento foi a utilização de mercúrio, que apresentava efeitos colaterais terríveis, causando neuropatias, insuficiência renal, úlceras graves na boca e perda de dentes, e muitos pacientes morreram de envenenamento por mercúrio e não da própria doença. O tratamento da sífilis se confunde com a história do desenvolvimento dos primeiros antibióticos. Em 1910, o primeiro quimioterápico desenvolvido a partir de átomos de arsênico (sabidamente tóxicos) foi testado, o Salvarsan. Além deste, inúmeros outros compostos a base de metais foram testados com maior ou menor eficiência, mas nenhum capaz de promover a cura. Até que em 1943 a penicilina começou a ser usada para tratar e curar o paciente com sífilis, droga que é utilizada ainda nos dias atuais. Todavia, atualmente a sífilis continua sendo um problema de saúde pública, pois mesmo existindo tratamento, a disseminação não é controlada de forma adequada.
Como surgiu a sífilis?
Existem três hipóteses principais sobre a origem da sífilis – a hipótese colombiana de que Colombo levara a sífilis das Américas, a teoria pré-colombiana de que a sífilis já existia na Europa e evoluiu para uma forma mais virulenta na época de Colombo e a teoria unitária de que todas as treponematoses são uma única doença, sendo a sífilis uma variante ambientalmente determinada, onde as condições sociais e ambientais no final do século XV favoreciam sua transmissão por relações sexuais. Em 2005, um estudo propôs que as linhagens de Treponema spp. de transmissão sexual, as quais acreditavam-se se tratar da sífilis, eram mais fortemente relacionadas àquelas bactérias presentes na América do Sul que a outras de transmissão não-sexual, fortalecendo a hipótese Colombiana da origem nas Américas.
Estudos recentes analisaram o genoma de isolados de T. pallidum, coletados ao longo de 20 anos, e em 23 diferentes países. Observou-se similaridades genômicas elevadas e evidências de trânsito das mesmas linhagens, independentemente, por entre os países. Os pesquisadores, no entanto, observaram que as amostras de antes de 1983 apresentam-se filogeneticamente distintas das linhagens mais recentemente isoladas. Ao final da década de 1990, houve uma redução da diversidade destes agentes. Acredita-se, no entanto, que essa modificação do perfil das linhagens circulantes seja mais provavelmente reflexo de uma mudança comportamental relacionada ao surgimento do HIV na década de 80 que da utilização de antimicrobianos após a Segunda Guerra, impactando fortemente a dinâmica de transmissão. Nos anos 2000, houve uma expansão de sublinhagens que representam as circulantes atualmente, isto possivelmente relacionado a mudança na epidemiologia, na evasão imune ou no fitness sob pressão de seleção antimicrobiana, uma vez que muitas das linhagens de sífilis contemporâneas caracterizadas são resistentes a macrolídeos, uma categoria de antimicrobianos.
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