Uma nova abordagem ao tratamento de tumores cerebrais elimina temporariamente a barreira hematoencefálica, um caminho promissor!

por Hélia Neves, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

Os glioblastomas são os tumores mais comuns e agressivos que se originam no cérebro. O seu tratamento geralmente envolve cirurgia para a remoção da massa tumoral, seguida de radioterapia e quimioterapia. No entanto, quase todos estes tumores reincidem após tratamento… apresentando um mau prognóstico de sobrevivência.

Uma das importantes limitações do tratamento de tumores cerebrais é o difícil acesso dos fármacos ao tumor por via sistémica (através da circulação sanguínea). Isto acontece porque existe uma barreira natural protetora, a barreira hematoencefálica (BHE), que é altamente seletiva à passagem de substâncias do interior dos vasos para o sistema nervoso central.

Esta BHE protege o sistema nervoso central de substâncias e microorganismos nocivos, mas também impede que muitos medicamentos cheguem ao cérebro. E como é que esta barreira é conseguida? Pela forte associação das membranas citoplasmáticas de três tipos de células: a célula endotelial, o pericíto e o astrócito. A célula endotelial e o pericíto formam a parede do capilar (o vaso de menor calibre da circulação sanguínea onde se dão as trocas metabólicas), que por sua vez é envolvido pelo astrócito, uma célula de suporte do sistema nervoso central. O astrócito ao abraçar o capilar, isola e protege as restantes células do sistema nervoso central (os neurónios e as outras células de suporte ou da glia) do contacto com os elementos em circulação no interior do vaso. 

Barreira Hematoencefálica (BHE) onde se encontram identificados os três tipos de células que a constituem: Célula endotelial (vermelho), Pericíto (verde) e Astrócito (amarelo).

Os cientistas descobriram que… há uma forma de eliminar temporariamente a BHE, permitindo a entrada de substâncias no sistema nervoso central. Num ensaio clínico em estágio inicial, descrito em 2 de maio de 2023 no Lancet Oncology, a equipa do Prof. Roger Stupp, da Northwestern University em Chicago, mostrou ser possível introduzir um fármaco usado em quimioterapia, que não consegue passar a BHE no cérebro humano, abrindo temporariamente essa barreira com um método combinado de ultrassom localizado e microbolhas (minúsculas esferas de gordura cheias de gás) em circulação.

E, como é que os investigadores conseguiram abrir a BHE no local do tumor? Os investigadores implantaram um dispositivo de ultrassom adjacente ao local onde foi removido o tumor. Depois, as ondas de ultrassom levaram à agitação de microbolhas previamente injetadas nos vasos sanguíneos (por injeção intravenosa), que por fim promoveram a abertura da membrana plasmática dos vasos sanguíneos e a destruturação da BHE.

Durante cada sessão, os participantes foram injetados com um fluido com bolhas microscópicas por 30 segundos e receberam simultaneamente pulsos de ondas de ultrassom por quase cinco minutos. As ondas atingiram uma área específica do cérebro que abrangia a cavidade do tumor, penetrando quase 8 centímetros de profundidade. Isso foi seguido por uma infusão intravenosa de 30 minutos de paclitaxel, um fármaco usado habitualmente em quimioterapia do cancro do pulmão, mama e outros, e que em condições normais não atravessa a BHE. Os pacientes receberam entre duas e seis sessões de tratamento com três semanas de intervalo.

Como resultado desta nova abordagem terapêutica, os investigadores encontraram quase quatro vezes mais paclitaxel na região manipulada (local onde foi removido o tumor) em comparação com as outras regiões do cérebro.

Os exames de ressonância magnética, usando um corante apropriado, confirmaram o fecho da BHE em 60 minutos após cada procedimento. No geral, o fármaco e o seu método de administração foram bem tolerados até a dose máxima testada e aprovada pela Food and Drug Administration dos EUA (para o cancro da mama). Alguns pacientes relataram apenas alguns efeitos colaterais temporários, incluindo dores de cabeça e confusão.

Embora o ensaio clínico se encontre numa fase muito inicial (ensaio feito em apenas 17 pacientes), este potencial tratamento é uma esperança para que a sua utilização futura possa ajudar a prolongar a expectativa de vida dos pacientes com glioblastoma, que é atualmente reduzida.

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