Microrganismos alienígenas podem invadir a Terra?

Por Fabienne Antunes Ferreira – Dpto. de Microbiologia, UFSC

Os microrganismos foram os primeiros seres vivos a habitar o planeta Terra, há cerca de 4 bilhões de anos. Durante todo este tempo, estes seres microscópicos, que não conseguimos visualizar “a olho nu”, evoluíram para se adaptar em ambientes aparentemente inóspitos. Já foram encontrados microrganismos que podem sobreviver e crescer em temperaturas extremamente frias de -25°C (a bactéria Deinococcus geothermalis) ou extremamente quentes de 130°C (a arqueia Geogemma barossii), bem como em altíssimos níveis de radiação ou na presença de moléculas “tóxicas” para a maior parte dos demais seres vivos.

A capacidade dos microrganismos de tolerar condições tão adversas na Terra tem levado os cientistas a considerarem que microrganismos podem também viver no espaço, em condições extraterrestres. 

E como os microrganismos da Terra podem chegar até o espaço? Bem, para começar, astronautas em missões fora do nosso planeta carregam consigo sua própria microbiota (conjunto de microrganismos que habitam nosso corpo, e são fundamentais para a vida humana) na pele, intestino ou boca. Adicionalmente, plantas, animais, alimentos e quaisquer objetos levados a bordo de uma espaçonave também podem abrigar esses seres, uma vez que microrganismos habitam virtualmente todos os locais do planeta. Assim, todas as expedições espaciais podem “contaminar” de forma não intencional locais extraterrestres. É claro que grande parte dos microrganismos da Terra podem não ser capazes de sobreviver em microgravidade, radiação ou outras condições encontradas fora daqui, mas os riscos devem ser avaliados. Planetas ou luas que tenham condições mais similares às da Terra (como Marte, por exemplo), por oferecerem atmosferas mais próximas do habitável pelo ser humano, estariam sob maior risco destas contaminações. Adicionalmente, não fazemos ideia se existe algum tipo de vida microscópica no espaço, e se esta também poderia, como um alienígena, acessar a Terra.

Um recente editorial publicado este ano na revista Nature Microbiology explora um pouco sobre essas questões, associadas a uma área conhecida na ciência como “astromicrobiologia” (estudo dos microrganismos no espaço). No editorial são citados alguns estudos publicados na área, com diversas descobertas científicas interessantes. Por exemplo, cientistas descobriram que bactérias podem crescer em carboidratos específicos que existem em meteoritos, e que microrganismos isolados da superfície da Estação Espacial Internacional (EEI) (laboratório espacial que se encontra na órbita da Terra) são bem parecidos com os microrganismos encontrados no nosso planeta (Figura 1). Nestes ambientes, foram isolados microrganismos bem adaptados a condições extremas, como alta radiação.

Além disso, foi possível detectar também microrganismos potencialmente patogênicos, como espécies de Salmonella. De fato, já foram reportadas infecções por bactérias e vírus em astronautas durante e após missões espaciais, como na conhecida missão Apollo 7 em 1968.

Fonte: NASA. Disponível em: https://www.space.com/microbes-fungi-space-station-identified.html. Acesso em: 22 nov. 2022

A grande preocupação dos cientistas é de que haja uma “contaminação retrógada”, ou seja, que estas formas microscópicas de vida contaminem o espaço ou planetas extraterrestres, consigam sobreviver neles, evoluam para formas extremamente resistentes (bem adaptadas às condições de vida mais extremas) e sejam trazidas de volta para contaminar a Terra. Abordagens para minimizar este risco em missões espaciais poderia incluir esterilização de materiais, quarentena dos astronautas e rigorosos exames de saúde para avaliar qualquer tipo de ameaça. No entanto, por serem seres microscópicos, é praticamente impossível evitar totalmente a transferência de microrganismos da Terra para o espaço e vice-versa. 

Assim, tendo em vista o enorme potencial de microrganismos terrestres para evoluir e se adaptar à vida em vários ambientes, pesquisas sobre microrganismos que vivem em ambientes extremos e inóspitos têm se tornado cada vez mais necessárias, para entender os mecanismos de sobrevivência em ambientes extraterrestres e compreender os reais riscos microbiológicos das missões espaciais.

Como diz o editorial, é sempre importante “esperar o inesperado” quando o assunto é astromicrobiologia. 

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