Mudanças climáticas e o mito do antropoceno

Por Vitor Klein                                                                                                                         Professor do Depto de Governança Pública da UDESC

vitor-figuraEm relatório recente publicado na revista Nature, cientistas indicam que acordos da última conferência do Clima em Paris são insuficientes para limitar o aumento da temperatura global. O relatório reforça o coro de especialistas que dizem que a terra está próxima de um ponto sem retorno em termos de mudança climática (para maiores detalhes acesse os textos publicados na Revista Rolling Stones, Scientific American e The Guardian sobre o tema). Com tantos alertas sobre a iminência de uma catástrofe climática global, por que os governos têm feito tão pouco? Os motivos podem ser tanto a cegueira voluntária por parte de representantes políticos como os devaneios de bufões que desdenham sobre o tema. Em meio a esse debate, no entanto, mitos tendem a desviar a atenção das causas centrais do problema. Um deles é o Mito do Antropoceno, como argumenta Andreas Malm, professor de Ecologia Humana da Universidade de Lund, na Suécia.

Cientistas descrevem o antropoceno como o período mais recente da história geológica do planeta. O termo coloca a humanidade como força central das transformações geológicas que ocorrem com o planeta Terra. Por essa lógica, a degradação ambiental seria o resultado da predisposição dos seres humanos em, inicialmente, manipular o fogo como fonte de energia e em sua fase mais recente, queimar carvão, petróleo e gás natural. Ou seja, o antropoceno dá a ideia de que a descoberta do fogo inevitavelmente nos levou, centenas de milhares de anos mais tarde, à queima de petróleo. Malm cita seis fatos que contrariam esse argumento.

Primeiro, o motor a vapor, operado por carvão, é largamente reconhecido como o principal responsável pela expansão da produção capitalista. No entanto, motores a vapor não foram adotados por uma abstração genérica chamada “espécie humana”. Foram os donos dos meios de produção que instalaram essa novidade no começo do século XIX, um grupo constituído por uma minoria da humanidade – todos homens, todos brancos.

Segundo, durante o mesmo período do surgimento do motor a vapor, imperialistas britânicos descobriram minas de carvão ao norte da Índia, carvão esse que indianos utilizavam há muito tempo para gerar calor, mas para o qual não tinham nenhum interesse como forma de combustível.

Terceiro, a maior parte das crescentes emissões do século XXI são originárias da China; o motor dessa explosão em emissões não é, contudo, o crescimento da população chinesa, nem o aumento do seu consumo ou gasto público, mas a expansão de sua indústria manufatureira, implantada na China por capital estrangeiro interessado em explorar mão de obra barata e disciplinada.

Quarto, apesar de encontrar grande oposição da opinião pública, a indústria petroleira e do gás continua a aumentar sua exploração, do Alasca ao Delta do Nilo, da Grécia ao Equador. O objetivo dessa indústria, ao contrário de qualquer vestígio de responsabilidade social corporativa, é o lucro.

Quinto, nações em fase mais avançada do capitalismo continuam a expandir suas infraestruturas de fósseis, raramente consultando as pessoas sobre tais projetos. Achar que todos estão implicados nessas políticas é extremamente enganoso, como argumenta Malm, que pergunta: “Quantos suecos devem ser culpados pela assistência que seu governo dá às usinas de carvão no Sul da África?”

Sexto, poucos recursos são tão desigualmente consumidos como a energia. Os 19 milhões de habitantes do Estado de Nova York consomem mais energia que os 900 milhões de habitantes da África Subsaariana. Ou seja, o impacto por indivíduo na atmosfera varia enormemente dependendo onde essa pessoa tenha nascido.

Os argumentos de Malm soam inevitavelmente como anticapitalistas, ponto ao qual ele se alinha a jornalista Naomi Klein, a qual tem recebido críticas por sua luta por mudanças radicais. Os argumentos de Malm são, no entanto, merecedores de atenção. Eles demonstram que o conceito abstrato de humanidade é menos efetivo para o estabelecimento de um sistema justo de accountability ambiental, ou seja, um sistema que identifique as causas e os responsáveis pelo aquecimento global, que torne essas causas transparentes para a sociedade e que auxilie na criação de mecanismos de controle mais efetivos. Com isso, eles reforçam a necessidade de maiores esforços por determinados blocos políticos e econômicos no comprometimento com medidas mais ousadas, como as sugeridas pelo relatório da Nature. Por fim, os argumentos importam para todos os espectros ideológicos, afinal, se você é mais culpado ou menos culpado, de esquerda ou direita, tanto faz; se realmente entramos em um ponto sem retorno, no final estaremos sentados lado a lado, no mesmo barco.

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