Por Daniel Fernandes, Dpto. de Farmacologia – UFSC
Nada melhor do que uma boa noite de sono para melhorar a disposição, a atenção e o humor. Todos já devem ter experimentado, em algum momento da vida, como uma noite mal dormida afeta a realização das nossas tarefas diárias. E já experimentaram também como uma boa noite de sono recupera nosso ânimo. Mas poderia uma boa noite de sono proteger você de umas das principais causas de morte no mundo? Cientistas descobriram que sim, e mostraram como isso acontece.
Pesquisadores do Massachusetts General Hospital e da Harvard Medical School dizem que uma boa noite de sono pode proteger contra doenças cardíacas. Embora alguns estudos já indicassem uma correlação entre noites mal dormidas e um risco aumentado de doenças cardiovasculares, sabíamos pouco sobre os mecanismos celulares e moleculares pelos quais o sono mantém a saúde cardiovascular.
Usando um grupo de camundongos modificados geneticamente para desenvolver placas de gordura nas paredes das artérias (processo chamado de aterosclerose), os pesquisadores interromperam o sono de metade dos camundongos e deixavam a outra metade dormir normalmente. Os cientistas descobriram que, ao longo do tempo, os camundongos privados de sono desenvolveram lesões nas artérias progressivamente maiores em comparação com o grupo que dormia normalmente. Especificamente, os camundongos com distúrbios do sono desenvolveram placas arteriais, ou depósitos de gordura, que eram até um terço maiores do que o grupo com padrões normais de sono. Os camundongos com sono interrompido também apresentaram um aumento de mielopoiese, que é um processo de formação de algumas células sanguíneas (neste caso especificamente eosinófilos, basófilos e neutrófilos) que acontece na medula óssea. Durante o processo de mielopoise, ocorre a produção de uma proteína chamada CSF-1 (do Inglês colony stimulating factor 1), que estimula a proliferação, diferenciação e liberação na circulação sanguínea de algumas células com características inflamatórias. Portanto, o grupo com privação do sono apresentou uma maior quantidade de células inflamatórias na circulação, e é importante dizer que essas células foram também encontradas nas lesões ateroscleróticas contribuindo para o desenvolvimento da doença.
Porém, um dos principais achados deste estudo é que o grupo que não dormiu bem apresentou quantidades menores de hipocretina, um hormônio produzido pelo cérebro que desempenha um papel importante na regulação do sono e estados de vigília. Os autores mostram que, além de suas ações no cérebro, a hipocretina que é produzida durante o sono, entra na circulação sanguínea sendo capaz de atuar na medula óssea, reduzindo o processo de mielopoise. A redução da mielopoiese consequentemente reduz a formação do mediador (CSF1) que estimula a produção e liberação de células tipicamente inflamatórias na circulação, contribuindo para a redução da aterosclerose. Portanto, boas noites de sono garantem uma boa produção de hipocretina que tem efeito protetor. Logo, podemos imaginar que a falta de sono, reduz a hipocretina, aumentado a mielopoiese e, consequentemente, a produção de alguns tipos de células que quando chegam na circulação contribuem para inflamação vascular e, portanto, para o desenvolvimento de aterosclerose. Os autores não pararam por aí, mostraram, por exemplo, que um grupo de camundongos modificados geneticamente para não produzir a hipocretina, apresentaram um aumento da mielopoiese e maiores lesões ateroscleróticas. E ainda, o tratamento com hipocretina no grupo privado de sono reduziu a inflamação e lesões ateroscleróticas. Portanto, a hipocretina pode ser a ligação entre as alterações no cérebro causadas pela falta de sono e as alterações sistêmicas que favorecem o surgimento de doenças como a aterosclerose. Estes resultados identificam um importante eixo neuro-imune que liga o sono à hematopoiese e aterosclerose.
Estas descobertas podem fornecer novos alvos para combater doenças cardíacas, uma das principais causas de morte no mundo. Mesmo assim, os pesquisadores alertaram que são necessários mais estudos, particularmente em humanos, para validar esses achados antes de considerar a hipocretina como potencial terapia. Além disso, estes dados não indicam que todas as pessoas que dormem pouco, terão problemas cardiovasculares. Portanto, você não precisa perder seu sono com esta notícia! Porém, quando associado a outros fatores de risco já bem estabelecidos, e que não foram abordados neste estudo, como sedentarismo, tabagismo, hipertensão e níveis de colesterol elevados, noites mal dormidas talvez possam sim merecer atenção.