Por Kelmer Martins da Cunha & Elisandro Ricardo Drechsler dos Santos, Depto. BOT-CCB/UFSC

Você não acha que muito do que os cientistas produzem parece inútil? Pois é, a grande maioria dos estudos científicos não necessariamente oferece novidades, inovações e aplicações imediatas para a sociedade. No entanto, o acúmulo de conhecimento e o domínio de novas técnicas e tecnologias irão resultar, a médio ou longo prazo, em benefícios e qualidade de vida para as pessoas.
Veja o exemplo da PCR (do inglês Polymerase Chain Reaction). Quem antes da COVID-19 conhecia a PCR?
Em tempos de pandemia, qualquer pessoa que ouve ou lê “PCR” já associa com o teste mais preciso para detecção da COVID-19. A PCR é uma técnica da biologia molecular que amplifica o DNA ou RNA, ou seja, aumenta a quantidade de material genético de uma forma que possa ser detectado. Antes estava “presa” em laboratórios ou no uso de investigações científicas, mas hoje está “na boca de todo mundo”, mais precisamente nos testes para identificação da doença. Nesse caso, a PCR amplifica o RNA do vírus de uma amostra laboratorial, ajudando a reconhecer se uma pessoa está infectada ou não.
A PCR não é tão recente como a pandemia, é uma técnica desenvolvida nos anos 80. Hoje suas aplicações vão muito além dos testes clínicos, por exemplo a amplificação de DNA para análises da sistemática filogenética molecular revolucionou a taxonomia e possibilitou entender aspectos sobre a evolução das espécies.
O acesso ao conhecimento da biodiversidade e a catalogação das espécies, como por exemplo de plantas, fungos e animais, sempre foi uma tarefa árdua, que exige muita dedicação dos cientistas. Porém, sempre houve avanços com o surgimento de novas ferramentas, como o microscópio e a própria biologia molecular. Mais recentemente, existe o Sequenciamento de Nova Geração (NGS, do inglês Next Generation Sequencing) que dá acesso ao DNA dos organismos e ajuda a documentar a diversidade de forma nunca vista. As tecnologias NGS são capazes de identificar o material genético de centenas de milhares de indivíduos ou espécies presentes em uma pequena amostra. Como a PCR, estas ferramentas moleculares vão muito além das técnicas clínicas, e estão sendo utilizadas de maneira inovadora nas mais diversas áreas, principalmente em pesquisas com biodiversidade e conservação.
Sobre os estudos com biodiversidade, estamos em uma verdadeira corrida contra o tempo para reconhecer as espécies do nosso planeta antes de serem extintas. Assim, essas novas ferramentas moleculares para acessar de maneira rápida e eficaz as comunidades de espécies são essenciais. Uma destas tecnologias NGS, chamada de metabarcoding, se baseia na PCR para amplificar o DNA de organismos (como fungos, por exemplo) e sequenciar paralelamente essas amplificações, identificando virtualmente toda a Funga presente em uma amostra. Através de uma amostra ambiental, como algumas gramas de solo de uma floresta ou da água de um lago, é possível detectar quais espécies “deixaram” seu material genético por ali. Ou seja, o DNA, de esporos, sementes, tecido morto, etc., pode ser detectado de forma altamente confiável. Utilizando essa abordagem, a partir de amostras do solo de várias partes do planeta, um estudo publicado na Science, em 2014, demonstrou como o clima e a química do solo podem influenciar nos padrões de distribuição dos fungos. Trabalhos como esse são fundamentais para entender o grupo, ainda muito pouco conhecido, embora extremamente importante para a manutenção da vida no planeta.
As tecnologias NGS vêm revolucionando também as pesquisas com conservação. Um exemplo interessante vem da Dinamarca, onde os cientistas descobriram que o levantamento tradicional de espécies de fungos foi significativamente complementado pela NGS a partir de amostras de solos. Da observação e das coletas foram identificadas 100 espécies ameaçadas de extinção, enquanto através das amostras de solo submetidas ao metabarcoding foram detectadas 85 espécies ameaçadas. Somente 39 espécies estavam presentes em ambas abordagens.

Dessa forma, as metodologias, quando somadas, possuem um potencial muito maior de identificar espécies ameaçadas, gerando de maneira mais rápida dados essenciais para a conservação. E claro, não são somente as espécies de fungos que saem ganhando com a utilização de novas ferramentas, mas sim todo o ecossistema em que elas estão inseridas, já que a conservação delas está diretamente relacionada com a conservação de seus habitats. Quem sabe, em um futuro próximo, com essas novas técnicas de acesso à biodiversidade estaremos salvando todas as formas de vida do planeta, inclusive a nossa.
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