Por Giordano W. Calloni, Dpto de Biologia Celular, Embriologia e Genética da UFSC
Caros leitores, no presente texto, tomarei a liberdade de apresentar a vocês a descoberta feita por um dos eminentes cientistas que fazem parte desse blog. Tomo essa liberdade na certeza de que ele (por modéstia) não se outorgaria o direito de fazê-lo. Entretanto, sinto que os leitores desse blog merecem conhecer um pouco mais de apenas um de seus diversos trabalhos.
Falo do trabalho publicado por nosso colega Bruno Costa da Silva, ex-aluno do curso de Farmácia da Universidade Federal de Santa Catarina, que se lançou ao mundo e fez seu Pós-Doutorado em Nova York, no Weill Cornell Medical College. Atualmente, Bruno é o chefe de um grupo de Pesquisas na Fundação Champalimaud em Lisboa, Portugal.
No ano de 2015, Bruno publicou, como primeiro autor, um belíssimo artigo científico na conceituada revista científica Nature Cell Biology. Suas descobertas são fascinantes e mostram que exossomos de tumores primários são capazes de preparar o fígado para metástases. Pareceu complicado isso, leitor? Opa! Vamos com calma. Farei uma alegoria para que essa aparentemente complicada informação possa ser melhor digerida.
Imagine o leitor (com bons recursos financeiros) que já possua uma casa e resolva construir uma outra com a intenção de futuramente mudar-se (ou enviar seus filhos). Basicamente, o que o Bruno descobriu é que certos tumores são capazes de fazer exatamente isso: estabelecem-se inicialmente em um determinado lugar do corpo (tumor primário), mas em determinado momento decidem se mudar, ou enviar sua prole (metástase) para estabelecer-se em outro tecido do corpo (tumor secundário). Entretanto, antes de fazerem isso, enviam patrolas (mensageiros químicos) para preparar o terreno antes de se estabelecerem na nova morada.
Como fazem isso? Bruno e seus colaboradores mostraram que as células tumorais do pâncreas são capazes de produzir e secretar os chamados exossomos. O próprio Bruno já escreveu um texto completo sobre os exossomos para os leitores do CDQ (para mais detalhes acesse o texto). De forma resumida, exossomos são diminutas esferas de lipídeos e proteínas que carregam em seu interior diversas moléculas, desde proteínas até ácidos nucléicos (pedacinhos de DNA e RNA, por exemplo). Bruno mostrou então que esses exossomos produzidos e secretados pelas células tumorais do pâncreas eram capazes de viajar pela corrente sanguínea e chegar até o fígado, onde eram seletivamente captados pelas células de Kupffer (Veja a Figura).
E o que havia dentro desses exossomos? Uma das moléculas presentes era o MIF (Macrophage Inhibitory Factor), uma proteína responsável por estimular respostas inflamatórias. E agora, como num jogo de peças de dominó em que uma derruba as outras, o MIF que estava presente nos exossomos, estimulando as próprias células de Kupffer a sintetizar e secretar uma outra proteína: o TGF-beta (Transforming Growth Fator beta). Nosso jogo de dominó continua e a próxima peça da fila a ser tocada é uma outra célula do fígado, vizinha das células de Kupffer, chamada célula estrelada do fígado. Então o TGF-beta, produzido e secretado pelas células de Kuppfer, estimula as células estreladas a produzir uma outra proteína: a fibronectina.
A fibronectina é uma proteína muito conhecida da chamada matriz extracelular, ou seja, uma proteína que é produzida dentro das células (como toda proteína), mas que depois é lançada para o lado de fora da célula onde exerce suas funções (por isso extracelular). Esses depósitos de fibronectina subsequentemente promovem a parada de macrófagos e neutrófilos derivados da medula óssea no fígado e isso acaba por permitir e completar a formação de um ambiente pré-metastático. Agora, com o terreno preparado, as fundações de sua futura casa iniciada, as células tumorais do pâncreas já podem sair pela corrente sanguínea (ou mandar sua prole) se estabelecer em sua nova casa, longe de sua morada inicial.
O trabalho de Bruno teve repercussões incríveis e atualmente outros pesquisadores estão encontrando outros fatores de crescimento (proteínas) capazes de fazer o mesmo. Mas isso, já é assunto para um próximo post…
Como os leitores podem perceber, esse blog é composto por alguns nomes de peso na Ciência mundial, e sem dúvidas, Bruno é um deles. Além de um grande cientista, Bruno é um camarada formidável que eu, e outros colegas do blog, temos o privilégio de contar como amigo.
Artigo publicado por Bruno