Por Ricardo Mazzon – Departamento de Microbiologia – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Certamente você já deve ter notado que algumas regiões dos nossos corpos podem produzir maus odores após um dia quente, de muito trabalho, exercício físico ou outra situação que gere sudorese intensa. Também é notável que nem todas as pessoas apresentam os mesmos odores nem as mesmas intensidades destes odores nas situações descritas acima, afinal, possivelmente você conheça alguém que relate não utilizar desodorantes nas axilas e, nem por isso, fiquem malcheirosas imediatamente após a prática de exercício físico. Também se sabe que as secreções das glândulas sudoríparas e sebáceas presentes nos folículos pilosos (que são compostas principalmente por água, sais, proteínas, lipídeos e esteroides) são inodoras o que, portanto, não explica os maus odores. Estas diferenças individuais em relação a produção de odores corpóreos há muito tempo intrigavam os pesquisadores e diversas hipóteses para tentar explicar essa variabilidade já foram elaboradas e testadas ao longo dos anos.
Especialmente nos últimos 10 anos, a ciência tem se debruçado no estudo das microbiotas, ou seja, identificação e entendimento do comportamento dos microrganismos que normalmente habitam as regiões dos nossos corpos em situações de saúde e doença. Esses estudos demonstram que diversas partes dos nossos corpos são normalmente e constantemente colonizados por conjuntos de microrganismos que variam de uma região a outra do corpo, que podem variar de pessoa para pessoa e ao longo de nossas vidas em termos de diversidade e abundância relativa entre as espécies presentes. Além disso, as variações de hábitos de higiene e alimentares também podem interferir nessas diversidades. A pergunta que surgiu com o acúmulo de dados e informações sobre as microbiotas foi, naturalmente, qual seria o papel destes microrganismos na produção de maus odores, em especial aqueles surgidos nas axilas e nos pés.
Em estudos realizados na tentativa de caracterizar a microbiota das axilas de adultos saudáveis cientistas descobriram que alguns gêneros e espécies de bactérias são muito comuns e abundantes, como é o caso das bactérias pertencentes ao gênero Corynebacterium sp. e Cutibacterium spp. (antigamente chamada de Propionibacterium spp.) e as espécies Staphylococcus epidermidis e Staphylococcus hominis. Mas qual a relação destes microrganismos com os maus odores? A resposta é: depende. Há três substâncias voláteis originadas nas axilas que se apresentam malcheirosas, são elas: ácido 3-metil-2-hexenoico (3M2H, tido como odor de bode/cabra), 3-metil-3-sulfanil-hexan-1-ol (3M3SH, tido como odor de cebola podre) e ácido 3-hidróxi-3-metil-hexanoico (3H3MH, tido como odor de cominho).
Ora, se previamente foi dito que o suor não apresenta odor e estas substância mencionadas a pouco são malcheirosas e presentes nas axilas, de onde elas vêm então? Embora a bioquímica completa não seja ainda totalmente conhecida, o que as pesquisas puderam evidenciar é que cada um destes componentes é resquício de metabolismo de uma algumas destas bactérias presentes na axila. Por exemplo, o 3-metil-3-sulfanil-hexan-1-ol (3M3SH) é uma espécie de tioálcool sulfuroso volátil produzido por Staphylococcus hominis e que confere um odor de cebolas podres a partir da degradação do dipeptídeo inodoro secretado no suor a S-Glicina-Glicina-3M3SH, graças a ação de uma enzima bacteriana chamada cisteína-tiol liase.
Os maus odores de cabra (3M2H) e cominho (3H3MH) são, em geral, resultantes do metabolismo de algumas espécies Corynebacterium spp. Menos comum nas axilas e mais frequente nos pés, o mau odor de queijo é resultado da volatilização do ácido valérico produto da degradação de leucina por Staphylococcus epidermidis. Portanto, os odores são em geral uma mistura de substâncias voláteis, as quais são resultado de atividade microbiana sobre substâncias presentes no suor e as variações na composição desta microbiota axilar poderiam justificar as diferenças de odores produzidos nas axilas de diferentes indivíduos.
Mas e sobre as pessoas que não produzem odores malcheirosos nas axilas? Isso é especialmente comum em alguns grupos étnicos, como caucasianos e negros que normalmente possuem um forte odor axilar, enquanto muitos asiáticos apresentam apenas um leve odor ácido. Uma explicação poderia ser que essas populações apresentam um polimorfismo em um transportador que secreta as substâncias que são matéria prima para as bactérias produzirem as substâncias voláteis malcheirosas.
Além da mutação nesse transportador, como poderíamos limitar ou impedir a formação dos maus odores? O uso de desodorantes e antitranspirantes é uma resposta. Os mecanismos de ação de cada um são distintos. Normalmente, os desodorantes carregam substâncias que matam as bactérias e fungos presentes na pele e, portanto, mesmo na presença do suor não haveria a formação dos compostos voláteis responsáveis pelo cheiro. Já os antitranspirantes agem bloqueando as glândulas sudoríparas, interferindo na disponibilidade dos precursores a serem metabolizados pelas bactérias e que por fim, culminam na formação dos elementos de mau cheiro.
Para saber mais:

