Por Vanessa Shigunov (Psicóloga) e Patrícia Shigunov (FIOCRUZ)
A anendofasia é um fenômeno psicológico caracterizado pela ausência de um monólogo interno ou fala interior, que é a capacidade de “ouvir” pensamentos verbais na mente. Enquanto muitas pessoas experimentam uma forma contínua de diálogo interno que ajuda na organização de ideias, na tomada de decisões e na reflexão sobre experiências, indivíduos com anendofasia não possuem essa narrativa interna verbalizada. Em vez disso, seus processos de pensamento podem ocorrer de maneira não verbal, utilizando imagens visuais, sensações ou outras formas de cognição. Cientistas descobriram que a variabilidade na fala interna das pessoas possui consequências comportamentais e em tarefas cognitivas.
Pesquisadores da Dinamarca e dos Estados Unidos estudaram as diferenças entre pessoas com graus distintos de fala interna em relação aos processos da memória operacional verbal. Eles acreditavam que lembrar de palavras seria mais difícil para as pessoas sem voz interna, pois elas não utilizam o exercício de repetir para si mesmas o que precisam memorizar. Por outro lado, aquelas que possuem voz interior mais ativa reforçariam a informação que precisam reter por meio desse diálogo interno. Essa hipótese foi confirmada pela pesquisa, demonstrando que a presença de uma voz interna facilita a memorização de palavras.
Os pesquisadores recrutaram participantes com diferentes níveis de fala interna e os testaram em quatro tarefas comportamentais. A fala interna, subjetivamente vivenciada pelos participantes, foi mensurada utilizando o Questionário de Representações Internas, previamente desenvolvido e validado por outros estudiosos. Esse questionário permite que os pesquisadores estabeleçam uma pontuação do fator verbal. Por exemplo, um item com alta carga no fator verbal foi “Eu penso sobre problemas em minha mente na forma de uma conversa comigo mesmo”, enquanto um item com alta carga no fator visual foi “Eu frequentemente gosto de usar imagens mentais para relembrar”. A equipe aplicou o questionário em mais de 1000 pessoas e selecionou 47 participantes com alto grau de fala interna e 46 participantes com baixo grau de fala interna para avaliar o desempenho nas tarefas comportamentais.
No experimento de memória de trabalho verbal, o número de palavras que os participantes foram capazes de lembrar corretamente foi avaliado. Participantes com maior fala interna lembraram mais palavras corretamente; no entanto, os participantes com menos fala interna que realizaram a tarefa em voz alta (linguagem aberta) tiveram desempenho semelhante aos participantes com mais fala interna. Isso sugere que o uso da fala, seja ela interior ou em voz alta, é o que importa para o desempenho. No experimento de julgamento de rima, a velocidade e a precisão dos julgamentos de rima foram testadas em ambos os grupos. Os participantes analisaram duas imagens de objetos simultaneamente e foram solicitados a julgar se os nomes dos objetos rimavam ou não. Os adultos que relataram baixos níveis de fala interna apresentaram mais dificuldade em realizar julgamentos de rima, mas aqueles que realizaram a tarefa em voz alta apresentaram desempenho semelhante aos com alto nível de fala interna. No experimento de troca de tarefas, a velocidade e a precisão na resolução de problemas de adição e subtração foram avaliadas, não havendo diferença entre o desempenho dos dois grupos. Além disso, também não houve diferença entre os grupos no experimento que avaliou a velocidade no julgamento de igual/diferente, como ao julgar silhuetas de gato e cachorro que representam animais diferentes.
Algumas limitações do estudo se referem às questões subjetivas para medir a fala interior, o que pode ser complexo, pois as pessoas podem não avaliar com precisão as suas experiências internas. Além disso, a voz interior varia não apenas entre indivíduos, mas também entre diferentes situações. Por esses motivos são necessárias mais pesquisas para compreender como diferentes contextos podem influenciar a experiência do discurso interior.
Em suma, a relevância do estudo estende-se a múltiplas áreas, incluindo psicologia, neurociência e educação, proporcionando uma compreensão mais profunda da diversidade nos processos de pensamento humano e das suas consequências comportamentais. Ao explorar como as diferenças na fala interna influenciam tarefas cognitivas específicas, como a memória de trabalho verbal e o processamento fonológico, o estudo aumenta a nossa compreensão do papel da fala interna nos processos cognitivos. Além disso, a temática possui potencial no âmbito clínico, particularmente na compreensão e diagnóstico que envolvem a fala interior, como certos tipos de afasia ou outras condições neuropsicológicas. Novas pesquisas podem levar a abordagens mais personalizadas de tratamento e reabilitação. Mas, falando sobre esse assunto, você já observou o conteúdo da sua voz interior? Ela muda de acordo com o seu estado emocional? Ela interfere nos seus comportamentos? Que tal estar consciente sobre o que diz sua fala interior?
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