Por Hélia Neves – Faculdade de Medicina de Lisboa – Portugal
A prevalência da obesidade tem aumentado no Brasil e em Portugal, refletindo uma tendência global. Segundo a Organização Mundial da Saúde, desde os anos 90, a prevalência de obesidade duplicou em adultos e quadruplicou em crianças e adolescentes1. Em 2022, cerca de 16% dos adultos e 8% das crianças e adolescentes no mundo eram obesos, elevando o risco de doenças como diabetes tipo 2, problemas cardiovasculares e certos tipos de cancro (câncer em português brasileiro).
Dada a preocupação crescente com a obesidade e as doenças metabólicas, muitos investigadores têm intensificado esforços para encontrar tratamentos eficazes para estes problemas. E os cientistas descobriram que… existe uma hormona (hormônio em português brasileiro), o péptido (peptídeo em português brasileiro) semelhante a glucagon 1, GLP-1 (Glucagon-like Peptide-1), importante na regulação do metabolismo dos açúcares e na modulação da saciedade, influenciando diretamente o controlo (controle em português brasileiro) do peso corporal. Embora o GLP-1 tenha sido identificado em 1983, a sua utilização foi limitada por se tratar de um péptido rapidamente degradado no organismo. Só recentemente os investigadores conseguiram desenvolver um análogo sintético do GLP-1, a semaglutida (cohecido com o nome comercial Ozempic), uma molécula peptídica modificada para aumentar a sua estabilidade e prolongar a sua atividade no corpo. Por ser um agonista do recetor de GLP-1, a semaglutida liga-se ao recetor do GLP-1, ativando-o e imitando a ação natural do GLP-1 (revisto em 2).
Com esta descoberta, a semaglutida começou a ser usada em ensaios clínicos para tratar diabetes tipo 2, demonstrando resultados promissores3. Os ensaios revelaram melhorias significativas no controle glicémico (glicêmico em português brasileiro) e um aumento na sensação de saciedade, contribuindo para a prevenção de picos de glicose pós-refeição. Além disso, o uso deste fármaco ajudou à regulação do apetite reduzindo a ingestão alimentar, o que levou à perda de peso em alguns participantes. Mais recentemente, outros ensaios clínicos mostraram benefícios para indivíduos com obesidade e pré-diabetes, com uma redução notável no peso e melhorias na normoglicemia4.
O que faz então este agonista de GLP-1R, a semaglutida, no nosso organismo?
A semaglutida funciona mimetizando (processo de imitar) o GLP-1 no nosso organismo. O GLP-1 faz parte de um grupo de hormonas (hormônios em português brasileiro) as “incretinas”, produzidas no trato gastrointestinal após a ingestão de alimentos. A produção de GLP-1 estimula a libertação de insulina e diminui a produção de glucagon pelo pâncreas quando os níveis de glicose no sangue estão elevados. Paralelamente, o GLP-1 retarda o esvaziamento gástrico, aumentando a sensação de saciedade e ajudando a controlar os picos de glicose após a ingestão de alimentos (Figura 2).
Pode então este agonista de GLP-1R, a semaglutida, ser usado para controle de peso em indivíduos sem aparente doença metabólica?
Os ensaios clínicos mostraram que embora seja eficaz no tratamento da diabetes tipo 2, o uso da semaglutida causa efeitos secundários. Os mais frequentes incluem náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal e constipação (obstipação). Os mais raros envolvem a inflamação do pâncreas (pancreatite) e alterações da visão. E embora não haja estudos em humanos que apontem nesse sentido, ensaios em animais mostraram que a semaglutida pode causar tumores da tiróide (tireóide em português brasileiro).
É também importante salientar que a semaglutida mimetiza o GLP-1, que atua naturalmente noutros cenários no nosso corpo. Para além do sistema endócrino, o GLP-1 atua no sistema nervoso central. Este péptido é secretado por uma pequena população de neurónios (neurônios em português brasileiro) no tronco cerebral e seus recetores estão distribuídos em vários órgãos, incluindo o pâncreas, pulmões, estômago, intestinos, rins, coração e várias regiões do cérebro (revisto em 5). Esta ampla distribuição sugere que o GLP-1 desempenha múltiplas funções no organismo. Existem estudos que revelam um efeito neuroprotetor de GLP-1 em doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson (revisto em 6). Outros estudos apontam para uma ação do GLP-1 na modulação da neuroinflamação, na secreção de neurotransmissores, na neurogénese (neurogênese em português brasileiro) e na função sináptica, podendo ser benéfico no tratamento de condições como a depressão (revisto em 6 e 7).
Resta então referir que os estudos até a data demonstram impacto significativo dos agonistas de GLP-1R, como a semaglutida, na regulação da saciedade e no metabolismo dos açúcares, contribuindo para a perda de peso em alguns casos. No entanto, como estes fármacos regulam tanto funções metabólicas como neurológicas no organismo, e como os ensaios clínicos existentes são relativamente recentes, os cientistas ainda não descobriram… os efeitos a longo prazo do tratamento contínuo e da interrupção da semaglutida. Mais pesquisas são necessárias para compreender completamente os mecanismos de ação dos agonistas de GLP-1R e os seus efeitos a curto e a longo prazo, especialmente no que toca à sua influência na modulação cerebral, para garantir um uso seguro e eficaz destes medicamentos num espectro mais amplo de aplicações.
Para saber mais:
- Organização Mundial da Saúde – Obesidade e sobrepeso.
- GLP−1 receptor agonists for the treatment of obesity: Role as a promising approach
- Ensaios clínicos: Drug Trial Snapshot: Ozempic; Key CVOTs with Semaglutide: SUSTAIN 6 and PIONEER 6; Effects of Semaglutide on Albuminuria and Kidney Function in People With Overweight or Obesity With or Without Type 2 Diabetes: Exploratory Analysis From the STEP 1, 2, and 3 Trials; Ozempic keeps wowing: trial data show benefits for kidney disease
- Ensaio clínico: Efficacy and safety of once-weekly semaglutide 2·4 mg versus placebo in people with obesity and prediabetes (STEP 10): a randomised, double-blind, placebo-controlled, multicentre phase 3 trial
- Alleviation of Depression by Glucagon-Like Peptide 1 Through the Regulation of Neuroinflammation, Neurotransmitters, Neurogenesis, and Synaptic Function
- Glucagon-Like Peptide-1: A Focus on Neurodegenerative Diseases
- Insights into a possible role of glucagon-like peptide-1 receptor agonists in the treatment of depression

