Do Laboratório ao Berço: a Corrida Pela Primeira Terapia CRISPR Personalizada

Por Heiliane de Brito Fontana

A edição genética baseada na tecnologia CRISPR vem protagonizando uma revolução silenciosa na medicina. Desde que foi apresentada ao mundo em 2012, essa ferramenta de “tesoura genética” tem permitido intervenções cada vez mais precisas no DNA e já foi abordada aqui no CDQ em publicações prévias (como em 2015, no artigo “Mais um passo em frente na cura de doenças por terapia gênica: o sistema CRISPR”). Em 2020, as cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna receberam o Prêmio Nobel de Química por desenvolverem o método de edição CRISPR-Cas9 — uma consagração do potencial transformador da técnica.

Cientistas descobriram que o CRISPR poderia ser usado não apenas para estudar genes, mas para corrigi-los — letra por letra — abrindo caminho para o tratamento de doenças antes consideradas intratáveis. Desde então, uma nova geração de terapias genéticas vem sendo testada, especialmente para doenças com alta prevalência, como anemia falciforme e β-talassemia, onde uma única edição pode beneficiar muitos pacientes.

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Como cientistas multiplicam células musculares para regenerar músculos

Por Marco Augusto Stimamiglio – Instituto Carlos Chagas, Fiocruz Curitiba – Paraná

Imagine se fosse possível transformar células adultas do músculo em células progenitoras capazes de reconstruí-lo. Cientistas da Universidade de Harvard desenvolveram uma técnica inovadora que pode revolucionar o tratamento de lesões musculares e doenças degenerativas, como a distrofia muscular. Eles conseguiram reverter células musculares adultas de camundongos a um estado semelhante ao de células-tronco, capazes de regenerar completamente o tecido muscular danificado.

Foto por Andrea Piacquadio em Pexels.com

A verdade é que o músculo esquelético possui uma notável capacidade de regeneração, atribuída às células satélites (um tipo especial de célula-tronco residente nos músculos). Essas células permanecem em estado “adormecido” até que uma lesão ocorra, momento em que se ativam para reparar o tecido danificado. No entanto, quando isoladas e cultivadas em laboratório, essas células tendem a perder sua capacidade regenerativa, diferenciando-se rapidamente em células musculares comprometidas, conhecidas como mioblastos. Essa limitação tem sido um obstáculo significativo para terapias eficazes.

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O “Homem do Gelo” e seus fungos: viajantes do tempo que contam histórias do passado

Por Elisandro Ricardo Drechsler-Santos – departamento de Botânica UFSC; Mateus Guterres Mendonça – graduando em Jornalismo pela UFSC

Imagine a cena: alpinistas encontram um corpo congelado a mais de 3.000 metros de altitude nos Alpes, entre a Itália e a Áustria, em 1991. Esse homenzinho, com pouco mais de 1 metro e meio de altura — mas com mais de 5 mil anos — foi apelidado de Ötzi, o Homem do Gelo. Desde sua descoberta, ele vem sendo estudado como uma verdadeira cápsula do tempo, oferecendo pistas sobre a dieta, as doenças e os costumes de nossos ancestrais.

Figura 1 – Momento da descoberta do Homem do Gelo. Fonte: Divulgação.

E os fungos? O que têm a ver com essa história?

Vamos começar a responder pelo que já era conhecido. Ötzi carregava consigo alguns fungos de forma intencional, pois eram úteis para sua sobrevivência. Entre os itens encontrados em sua bolsinha pessoal, estavam duas espécies de orelha-de-pau: Fomes fomentarius e Fomitopsis betulina. Acredita-se que Fomes fomentarius era usado para iniciar fogo, já que possui propriedades inflamáveis. Já Fomitopsis betulina provavelmente era utilizado por suas propriedades medicinais, conhecidas desde aquela época — como no combate a vermes e outros microrganismos indesejáveis. Como dito, isso não é nenhuma novidade atual, pois já era algo cogitado e bastante discutido já na descoberta de Ötzi. 

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Macacos me mordam!!! Mitocôndrias viajam entre células?

Por Giordano Wosgrau Calloni – Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Figura 1– Imagem gerada pela I.A. Gemini

Você já ouviu alguém dizer “macacos me mordam”? Essa expressão divertida ficou famosa no Brasil graças aos desenhos do Popeye, exibidos na TV nas décadas de 1980 e 1990, onde era usada como tradução da frase inglesa “Well, blow me down!” – algo como “Bem, me derrube!”. Muito mais criativo do que um simples “não acredito!”, “macacos me mordam” virou uma forma bem-humorada de mostrar surpresa diante de algo inesperado. E é justamente esse espanto curioso que sinto ao compartilhar com você uma das descobertas mais recentes e fascinantes da ciência sobre as minhas organelas favoritas: as mitocôndrias.

Já tive a oportunidade de explicar em outros artigos meus a origem das mitocôndrias¹. Mas para os recém-chegados ao Blog, um brevíssimo resumo da Teoria Endossimbiótica me parece necessário. Esta teoria explica que as mitocôndrias, organelas presentes em todas as células eucariontes e responsáveis pela maior parte da produção de energia, originaram-se de bactérias. Há cerca de 1,5-2,0 bilhões de anos essas bactérias foram englobadas por células maiores, mas, em vez de serem digeridas, estabeleceram uma relação de simbiose: as bactérias passaram a fornecer energia para a célula, recebendo proteção e nutrientes em troca. Com o tempo, essa parceria evoluiu, transformando essas bactérias nas mitocôndrias que conhecemos hoje, verdadeiras usinas, produzindo ATP, uma das principais fontes de energia celular. E um detalhe importante: estas organelas são, neste momento, completamente dependentes da célula, não são mais organismos próprios, de vida livre, independentes. Mas até que ponto?

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