Mais um passo em frente na cura de doenças por terapia gênica: o sistema CRISPR

Por Rita Zilhão                                                                                                                                          Faculdade de Ciências de Lisboa – Portugal

Em 1989 foi, com aprovação oficial, realizada a primeira transferência de genes para humanos. Desde então, têm sido desenvolvidas estratégias de transferência de genes “saudáveis” para indivíduos portadores de doenças que resultam de alterações na sequência dos genes (mutações), numa tentativa de correção dos danos causados pelos genes mutados. A este processo de cura mediadapor transferência de genes designa-se de terapia gênica. Assim, nuns casos para substituir o efeito da mutação basta fornecer às células uma cópia adicional, idêntica à do gene mutado, mas sem conter a mutação. Noutros, contudo, se o produto do gene mutado é de alguma forma nocivo para a célula, só a sua remoção e substituição por uma cópia saudável resolverá os danos por ele causado. E foi nesta questão da substituição de um gene por outro que “os cientistas descobriram que …”, um sistema de defesa imunológico adaptativo, que ocorre de um modo natural em bactérias, pode ser utilizado para modificar de um modo altamente específico genomas de organismos mais desenvolvidos, como os mamíferos. O sistema, só para seu conhecimento e entretenimento, chama-se Clustered, regularly-interspaced, short palindromic repeats… fácil, hein? Mas já existe o seu acrônimo e esse sim, muito fácil: CRISPR/Cas9.

De um modo muito simplista, o sistema CRISPR compreende essencialmente três componentes: uma enzima – a Cas9 – que tem a particularidade de clivar as duas cadeias da molécula do DNA, mas o faz de um modo específico, isto é, corta numa sequência específica. Como é que a enzima reconhece a referida sequência? Porque no sistema existe um segundo componente, uma molécula de RNA, que funciona como guia ligando-se ao local específico onde tem de ocorrer o corte. Indica assim a Cas9 onde atuar. Por este motivo chama-se de guide RNA (gRNA). Agora imagine que a molécula de RNA foi propositadamente desenhada de forma a que o corte ocorra no local onde se encontra a mutação que dá origem à doença. Ocorre uma interferência com o gene endógeno mutado, que conduz ao seu corte por Cas9 e a célula poderá não sobreviver. Assunto resolvido? Não, porque o objetivo não é matar as células. O objetivo é que as células adquiram o gene saudável. Entra então aqui em ação o terceiro componente, que corresponde à molécula de DNA que contém o gene “saudável”, e que se pretende que substitua a sequência de DNA correspondente ao gene mutado. Como é isto possível? Porque a grande maioria dos seres vivos, de um modo mais ou menos eficiente, tem a capacidade de trocar pedaços de DNA entre si, desde que contenham certa homologia entre si (semelhança, relativamente à sequência de nucleotídeos que compõem as moléculas de DNA). Chama-se a isto recombinação homóloga. Ok, vamos então juntar as peças do quebra-cabeças: a porção de DNA que contém o gene saudável (o 3º componente) recombina com o gene mutado com o qual mantém ainda muitas sequências homólogas e integra-se no DNA genômico substituindo-o. Só que, enquanto o gene mutado está sujeito à interferência acima referida (gRNA + corte por Cas9), porque o gRNA é específico da sequência do gene mutado, o gene saudável por sua vez, que não possui a sequência com a mutação, não é reconhecido por gRNA e, como tal, não é assinalado para ser cortado. Logo as células em que ocorreu integração no genoma do gene saudável vão não só sobreviver mas vão ser sãs!!! Uf! Espero ter conseguido explicar…

São inúmeras as publicações em revistas científicas importantes em que é bem evidente o como a evolução desta tecnologia, e de outros processos celulares, tem tido aplicação em procedimentos que conduzirão à cura de doenças genéticas, como a fibrose quística (FQ) e a distrofia muscular de Duchene (DMD). Apesar da metodologia CRISPR ter inúmeras aplicações, é indiscutível sua contribuição para a terapia gênica que, ao seu ritmo, vai dando os seus passos e tornando-se cada vez mais uma realidade.

Para saber mais:

Um comentário sobre “Mais um passo em frente na cura de doenças por terapia gênica: o sistema CRISPR

  1. Pingback: ¿Cómo funciona la terapia génica, este sistema que avanza para curar enfermedades? | Neurofibromatosis 2

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