Por Giordano Wosgrau Calloni – Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Você já ouviu alguém dizer “macacos me mordam”? Essa expressão divertida ficou famosa no Brasil graças aos desenhos do Popeye, exibidos na TV nas décadas de 1980 e 1990, onde era usada como tradução da frase inglesa “Well, blow me down!” – algo como “Bem, me derrube!”. Muito mais criativo do que um simples “não acredito!”, “macacos me mordam” virou uma forma bem-humorada de mostrar surpresa diante de algo inesperado. E é justamente esse espanto curioso que sinto ao compartilhar com você uma das descobertas mais recentes e fascinantes da ciência sobre as minhas organelas favoritas: as mitocôndrias.
Já tive a oportunidade de explicar em outros artigos meus a origem das mitocôndrias¹. Mas para os recém-chegados ao Blog, um brevíssimo resumo da Teoria Endossimbiótica me parece necessário. Esta teoria explica que as mitocôndrias, organelas presentes em todas as células eucariontes e responsáveis pela maior parte da produção de energia, originaram-se de bactérias. Há cerca de 1,5-2,0 bilhões de anos essas bactérias foram englobadas por células maiores, mas, em vez de serem digeridas, estabeleceram uma relação de simbiose: as bactérias passaram a fornecer energia para a célula, recebendo proteção e nutrientes em troca. Com o tempo, essa parceria evoluiu, transformando essas bactérias nas mitocôndrias que conhecemos hoje, verdadeiras usinas, produzindo ATP, uma das principais fontes de energia celular. E um detalhe importante: estas organelas são, neste momento, completamente dependentes da célula, não são mais organismos próprios, de vida livre, independentes. Mas até que ponto?
Há quase 10 anos, em 2016, descrevi aqui no CDQ1 o resultado de um artigo que me fascinou na época mostrando que astrócitos transferem mitocôndrias para neurônios enfraquecidos do cérebro de camundongos que sofreram um AVC. Essa “estratégia” ajudava os neurônios a se recuperar e aumentar suas chances de sobrevivência.
Mas na verdade, a observação da transferência de mitocôndrias entre células remonta há 10 anos. No ano de 20062, pesquisadores detectaram pela primeira vez mitocôndrias sendo transferidas de uma célula para outra, enquanto investigavam o comportamento de células-tronco em laboratório. Eles marcaram as mitocôndrias destas células-tronco e viram, em vídeo, as organelas sendo doadas para células de câncer de pulmão defeituosas, que assim recuperaram a capacidade de produzir energia. Desde então, pesquisadores têm observado mitocôndrias transitando entre vários tipos de células – pulmão, coração, cérebro, gordura, osso e mais.
Pergunta intrigante: mas de que forma estas mitocôndrias são transferidas de uma célula para outra? Às vezes, as mitocôndrias viajam por estradas efêmeras conhecidas como expansões da membrana plasmática chamadas de nanotubos tuneladores, que se formam entre as células e transportam diversos outros elementos celulares. Em outros casos, elas fazem sua jornada em vesículas em forma de bolhas e, macacos me mordam!!!, elas podem até mesmo flutuar livremente no sangue3 (ver Figura 2).

Como vimos, estas viagens das mitocôndrias já estão amplamente documentadas in vitro e nos tecidos de animais de laboratório, mas então surge a pergunta crucial: e no sangue humano? Podemos esperar encontrar mitocôndrias descendo a corredeira dos fluídos do nosso corpo? A resposta parece ser afirmativa, uma vez que em 2014, pesquisadores detectaram mitocôndrias flutuando livremente no sangue humano4. Muito recentemente, em janeiro de 20255, pesquisadores coletaram amostras de mitocôndrias de um grupo de indivíduos com câncer e, descobriu que, em alguns participantes, células imunes que atacam tumores continham mitocôndrias geneticamente mutadas de células cancerígenas, o que parecia prejudicar a capacidade das células imunológicas de se defenderem da doença.
Muito mais do que uma curiosidade científica extraordinária, estas observações abrem as portas para terapias de doenças mitocondriais terríveis, tais como algumas descritas por mim em textos anteriores aqui do CDQ e que implicavam metodologias complicadas envolvendo questões éticas relevantes6,7. Já imaginaram descobrirmos o que conferia tanta energia ao marinheiro Popeye na verdade não era suas preciosas folhas de espinafre, mas suas usinas de energia correndo livremente pelas veias? Macacos me mordam!
Para saber mais:
