Os presentes do mar: o que as orcas andam aprontando agora? Cooperação, altruísmo, partilha ou simples curiosidade?

Por Paulo César Simões-Lopes – Departamento de Ecologia e Zoologia – UFSC – Lab. Mamíferos Aquáticos (LAMAQ)

Você já jogou sementes para um esquilo num parque qualquer? Ou pelo menos bolachinhas para as carpas num lago artificial? Para muitas pessoas dar milho aos pombos é um passatempo e um devaneio, não importando em qual medida. Mas o que estaria acontecendo com as orcas? 

Na Argentina e na Nova Zelândia, no Alasca, na Noruega ou no México, orcas de populações completamente distintas têm assombrado o mundo em interações curiosas onde trazem suas presas ou outros objetos e os oferecem aos humanos como se fossem “presentes” (veja aqui o estudo). Trazem águas-vivas, estrelas do mar, retalhos de algas, raias e peixes de muitos tipos, aves marinhas, tartarugas e até pedaços de lobos-marinhos, focas, golfinhos ou lontras como se fossem petiscos irresistíveis. (Pedaços, vejam que maravilha.)

Oferecem esses itens aos humanos aparvalhados, estejam eles embarcados, nadando ou mesmo em terra. E os Cientistas Descobriram Que humanos embarcados ou nadando eram mais interessantes para as orcas. E assim foram acumulando cerca de vinte anos de observações fortuitas, mas muito esclarecedoras. Os Cientistas tambémDescobriram Que orcas de ambos os sexos e todas as idades, inclusive juvenis e filhotes, participam dessa estranha “partilha”. Em praticamente todos os casos, elas esperaram uma reação dos humanos como se os testassem. Às vezes, fazem mais de uma tentativa, quando não são correspondidas de imediato.

Foto por Pixabay em Pexels.com

Então o que estaria acontecendo? Qual o sentido disso? Baleias assassinas (killer whales) tentando se redimir de seus pecados? Ora, ora, não sejamos tão simplórios. O que estaria em jogo nesse comportamento aparentemente aberrante? Cooperação, altruísmo, partilha são todos comportamentos com via de mão dupla, isto é, vantagens para você e no futuro vantagens para mim, em outras palavras, uma troca. Mas, fato é, que nenhuma troca ou partilha ficou evidente em, absolutamente, nenhum desses eventos, então por quê?

Bem, nem só de vantagens recíprocas (e algo maquiavélicas) vivem os mamíferos sociais. Existem outros caminhos palpáveis e diretos sem as tais vantagens bilaterais. Animais sociais de cérebros grandes e vida longa estão sempre testando o mundo ao redor. Precisam saber como ele funciona. Têm, por assim dizer, uma compulsão por aprender e a curiosidade é a parte essencial desse processo. 

Assim como nós jogamos sementes para um esquilo, só para vê-lo melhor ou para fazer uma fotografia bonita, outros animais também testam os humanos. Orcas têm cérebros grandes, vivem mais do que nós, ensinam seus filhotes, pacientemente, e se divertem. Aliás, diversão (play behavior) é parte do processo de aprender, não é mesmo? (Ao menos deveria ser.) Orcas são capazes de coordenação fina, divisão de tarefas em atividades complexas, altruísmo, proteção, partilha e, principalmente, são animais curiosos, ávidos por experiências. Devem ficar assombradas do porquê gritamos tanto, quando elas nos dão coisas, mas esta é outra história… 

“Curiosidade e compulsão por aprender” já seriam suficientes para satisfazer as nossas dúvidas, não é? Altruísmo e proteção estão em voga em quase todos os mamíferos sociais, inclusive orientados a espécies não aparentadas, mas este não parece o caso. As tais orcas estão apenas nos testando, vendo como funcionamos, como reagimos, seja na Noruega, seja na Argentina. Para elas, explorar e testar é algo do dia a dia, assim como para nós.

Sem dúvida nós nos consideramos a cereja do bolo, os únicos eleitos a compreender e executar comportamentos complexos, mas quer estejamos convencidos disso ou não, nós não estamos sós nessa jornada de aprendizado. Felizmente, penso eu…

Para saber mais

Towers, J. R., Visser, I. N., & Prigollini, V. (2025). Testing the waters: Attempts by wild killer whales (Orcinus orca) to provision people (Homo sapiens). Journal of Comparative Psychology. Advance online publication. 

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