Por Tiago Góss dos Santos

Fonte: http://brainblogger.com
Semana passada foi anunciado na mídia que um grupo de cientistas britânicos descobriu uma nova droga para o tratamento de doenças neurodegenerativas, os resultados apresentados foram surpreendentes. O grande problema disso tudo é que a notícia foi dada, como ocorre com frequência de maneira muito superficial, incompleta e com aquela boa e velha dose de sensacionalismo apelativo (para exemplificar, veja http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2013/10/pesquisadores-descobrem-substancia-que-impede-morte-de-neuronios.html).
Vamos entender direitinho tudo isso! As doenças neurodegenerativas provocam a morte progressiva de neurônios, trazendo prejuízos mentais e motores graves, são extremamente debilitantes e, frequentemente levam a morte. Quem não conhece, ou até mesmo conviveu com uma pessoa com doença de Alzheimer ou Parkinson. Estas doenças têm cada vez mais atraído a atenção das companhias farmacêuticas, que investem milhões em pesquisa para descobrir drogas que revertam, retardem ou interrompam os danos que estas doenças causam no cérebro. A maioria destas doenças é ocasionada por um defeito na estrutura ou no dobramento de certas proteínas. Durante o seu processo de síntese, a proteína vai se dobrando nela mesma adquirindo uma estrutura tridimensional que será determinante para o seu correto funcionamento. É como se as proteínas fossem uma folha de papel que, passo a passo, vão se dobrando para formar um origami. Algumas proteínas, por razões ainda desconhecidas, apresentam uma tendência ao dobramento errôneo (o origami sai com defeito), causando uma doença. Para agravar ainda mais a situação, nossas células possuem um sistema de reparo celular que, ao perceber proteínas mal dobradas, paralisa a síntese de todas as proteínas, até que os “defeitos” sejam corrigidos. É como se um engenheiro de controle de qualidade de uma fábrica de carros suspendesse a linha de produção de todos os tipos de carros, devido a um erro na confecção de uma peça num modelo específico. Se o reparo não for eficiente e as proteínas mal dobradas acumularem-se até níveis intoleráveis, os neurônios morrem. Como dito anteriormente, esse processo é observado em inúmeras doenças, mas especialmente em um grupo de doenças muito raras, mas bastante famosas, as doenças causadas por prions (quem não se lembra da doença da vaca louca? http://pt.wikipedia.org/wiki/Prion). Essas doenças são causadas por agentes infecciosos (prion) compostos somente por proteínas mal dobradas. Eles são capazes de transmitir a doença de muitas maneiras, inclusive pela ingestão de carne contaminada.
Pesquisas envolvendo as doenças causadas por prions, são tão importantes que renderam dois prêmios Nobel, o primeiro para Carleton Gajdusek em 1976 pelo estudo de uma doença de prion humana chamada kuru, típica de tribos da Nova Guiné que se tornou uma epidemia dentro daquela população por conta de hábitos canibais. O segundo, para Stanley Prusiner em 1998 por ter desvendado a natureza dos prions. As doenças provocadas por prion podem ser facilmente reproduzidas em laboratório, através da infecção de camundongos saudáveis com a proteína prion. Estes animais, alguns meses depois, passam a apresentar os sinais e sintomas típicos das doenças de prion. É neste ponto que volto à matéria, os pesquisadores em questão, utilizaram como protótipo de doença, camundongos infectados com prion. Alguns animais receberam uma droga (GSK2606414, de propriedade da companhia farmacêutica GlaxoSmithKline) que bloqueia o sistema de reparo celular, como se algo impedisse o engenheiro de suspender a linha de produção, ou seja, os carros continuariam a ser produzidos e funcionando, apesar dos defeitos. A ideia seria que os emaranhados de proteínas mal dobradas podem ser, de alguma maneira, tolerados pelos neurônios que se mantêm vivos e ativos, impedindo a neurodegeneração. É neste ponto que pesa a principal crítica às reportagens, o trabalho foi realizado com um tipo de doença, as causadas por prion. Tudo bem que os processos que levam a morte de neurônios em uma doença são muito parecidos com os de outra. No entanto, as peculiaridades de cada doença ainda devem ser levadas em consideração e provavelmente serão necessários muito mais estudos com cada doença em particular pra comprovar esta descoberta. Além disso, a doença tratada no camundongo é puramente experimental e, portanto, limitada; outros tipos de abordagens serão necessárias para, de fato, termos a disposição uma droga capaz de tratar de um jeito só várias doenças neurodegenerativas. Infelizmente, para os pacientes que apresentam essas doenças, a droga anunciada ainda está longe de poder ser comercializada. Muitos testes ainda serão necessários para assegurar que esta droga tenha ação específica nos neurônios doentes, sem afetar as células saudáveis do cérebro, ou de outras partes do corpo. Fica como mensagem final: muitas vezes, existe uma certa distância entre as descobertas que os cientistas fazem e as descobertas divulgadas pela mídia não especializada. Fiquem atentos!