Origem e evolução funcional dos cromossomos Y em mamíferos

Por Leonardo Koerich                                                                                                                            Professor do Dpto. de Genética na UFRJ                                                                                            Para ouvir o áudio do texto com o autor, clique aqui.

Leonardo figuraCientistas descobriram que o cromossomo Y se originou três vezes, independentemente, em mamíferos e aves (e isso é fantástico). Essa foi a principal conclusão do artigo sobre origem do cromossomo Y publicado em abril deste ano na revista Nature [1]. Os autores demonstraram que a origem do cromossomo Y dos mamíferos placentários e marsupiais (Theria), contendo o gene de determinação sexual SRY, teria surgido cerca de 180 milhões de anos atrás. Já o cromossomo Y dos mamíferos monotremados (que colocam ovos, como o ornitorrinco), contendo o gene de determinação sexual AMH, teria surgido paralelamente há cerca de 170 milhões de anos. Por fim, o cromossomo W de aves (que determina o sexo feminino) teria surgido cerca de 140 milhões de anos atrás.

Desde a descoberta dos cromossomos sexuais na virada do século XIX para o século XX, uma das perguntas mais interessantes que sempre se buscou responder foi: “como esses cromossomos se originaram e como eles evoluíram?”. No entanto, devido às suas características genéticas de possuir poucos genes e um DNA cheio de repetições, os estudos em relação ao cromossomo Y pouco progrediram até o início da década de 1990, quando obtivemos muitos avanços nas técnicas de biologia molecular. As primeiras teorias sobre origem e evolução do cromossomo Y surgiram em meados da década de 1990 [2] e, desde então, têm sido alvo de muita controvérsia (mas isso seria assunto para outro post). Mais recentemente, com o barateamento e o avanço significativo das técnicas de sequenciamento de genomas, tornou-se possível sequenciar uma miríade de organismos. Tais mudanças facilitaram o estudo comparativo de genomas inteiros, o que tem nos dados questões e respostas muito interessantes a respeito desse assunto.

No artigo da revista Nature, os autores compararam os genomas de 15 mamíferos e 4 aves. Foram 11 mamíferos placentários (incluindo nós, humanos), 2 marsupiais (gambá e canguru) e 2 monotremados (ornitorrinco e echidna). Para realizar essa comparação, foi necessário identificar genes do cromossomo Y na maioria das espécies escolhidas (somente 5 espécies de mamíferos possuíam dados completos). Os pesquisadores usaram uma abordagem similar à descrita em 2013 pelo pesquisador brasileiro Antonio Bernardo de Carvalho (da UFRJ), em que a comparação dos genomas de macho e fêmeas em cada espécie indica genes exclusivos de macho e com alta probabilidade de estarem localizados no cromossomo Y [3]. Neste caso, os pesquisadores sequenciaram o genoma de fêmeas (o DNA) e o transcriptoma de machos (o RNA mensageiro). Todos os RNAs de macho que não batem com o genoma de fêmeas são considerados candidatos a estarem no cromossomo Y. Com essa metodologia comparativa, foram identificados 134 genes diferentes, dobrando o número de genes conhecidos que estão presentes nos cromossomos Y. Com os genes do cromossomo Y de cada espécie “em mãos”, os autores passaram a comparar quais genes estão presentes em cada espécie, assim como realizar estudos de evolução para cada gene.

Os dados revelaram que o conteúdo gênico do cromossomo Y de mamíferos placentários e marsupiais é completamente diferente do cromossomo Y de monotremados (Figura). Os resultados confirmaram que o cromossomo Y de humanos e outros Theria surgiu após a separação Theria-Monotremata e que nosso cromossomo Y não é comum a todos os mamíferos, como é defendido por alguns grupos de pesquisa. Como coloquei anteriormente, as hipóteses sobre como os cromossomos sexuais, em especial o cromossomo Y, se originam e evoluem são variadas e geram discussões acaloradas. A teoria definida em 1996 por Rice coloca que todos os cromossomos de animais se originam da mesma forma, a partir de um par de cromossomos ordinários. Essa teoria moldou o pensamento em torno da origem e evolução do cromossomo Y, acreditando-se que os cromossomos Y seriam conservados nas diferentes espécies de animais. Noentanto, um estudo do cromossomo Y da mosca da fruta feito por mim e outros brasileiros (e publicado em artigo na Nature, em 2008 [4]) sugeriu que os cromossomos Y eram menos conservados do que se imaginava e que poderiam surgir diversas vezes de forma independente, quebrando um paradigma na teoria evolutiva de cromossomos sexuais. Pouco depois, em 2010 (também publicado na revista Nature [5]), resultados similares de baixa conservação gênica foram observados entre os cromossomos Y de humanos e chipanzés, colocando mais algumas interrogações na origem do cromossomo Y de mamíferos. Embora a teoria canônica de origem e evolução do cromossomo Y seja válida e, principalmente, muito robusta, esta nova descoberta de que o cromossomo Y de Theria não é ancestralmente homólogo ao cromossomo Y de monotremados é surpreendente, quebrando um paradigma na teoria evolutiva do cromossomo Y de mamíferos.

O campo de estudos de evolução do cromossomo Y em animais se mostra cada vez mais promissor no quesito “descobertas interessantes”. Em apenas quatorze anos, diversos paradigmas foram quebrados e teorias alternativas foram formuladas. E isso com base no estudo do cromossomo Y (ou W, no caso de aves) de apenas 33 espécies (19 espécies de vertebrados e 14 espécies de invertebrados). Não há dúvidas que o estudo de mais espécies vá nos trazer ainda mais surpresas no futuro próximo. A pergunta que fica é: “o que o próximo cromossomo Y estudado irá nos dizer?”

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