Por Ricardo Castilho Garcez Prof. do Dpto. de Biologia Celular, Embriologia e Genética – UFSC
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Depois de consumir bebidas enriquecidas com compostos extraídos de grãos de cacau, a memória de pessoas com idades entre 50 e 69 foi semelhante à de alguém 30 anos mais jovem. Importante! Se você está pensando em turbinar sua memória comendo chocolate, devo ressaltar que você teria que comer quantidades surpreendentes. Não que isso seja difícil para alguns, mas traria consequências como: aumento de peso e disfunção hepática, entre outras!
O cacau possui uma classe de compostos químicos chamados flavonoides. Essescompostos são também encontrados naturalmente no chá verde, no vinho tinto, entre outros. Estudos anteriores já haviam demonstrado que ratos tratados com uma dieta rica em flavonoides, apresentavam memória melhor e maior fluxo de sangue em regiões específicas do sistema nervoso. Dentre as diversas regiões do sistema nervoso que participam do processo de aquisição e consolidação de memórias, o hipocampo, mais especificamente uma região chamada giro dentado, é uma das mais estudadas.
A pergunta que Scott Small e sua equipe, da Universidade de Columbia em Nova York, fizeram no início desse estudo foi: será que os flavonoides do cacau seriam capazes de melhorar o desempenho da memória de pessoas com mais de 50 anos?
Para responder essa pergunta, a equipe de Scott Small recrutou 37 voluntários com idades entre 50 e 69 anos. Dezenove deles passaram a beber 900 miligramas de flavonoides de cacau, por dia, misturado com água ou leite. As outras 18 pessoas beberam algo similar, porém que continha apenas 10 miligramas destes flavonoides. Testes para avaliar a capacidade de memória e testes de ressonância magnética funcional, para avaliar a atividade da região do giro dentado do hipocampo, foram realizados antes do início dos tratamentos e depois de 3 meses.
O grupo que ingeriu a dose maior de flavonoides do cacau apresentou um melhor desempenho nos testes de memória realizados. A equipe de Scott Small já havia demonstrado, em estudos anteriores, que a velocidade de reação nesses testes de memória reduzia em cerca de 220 milissegundos (pouco mais de 1/3 de 1 segundo) a cada 10 anos que envelhecemos (contando a partir dos 20 anos de idade). Os indivíduos que beberam a dose alta do flavonoide do cacau responderam aos testes de memória, em média, 630 milissegundos mais rápido que os indivíduos que beberam a dosa baixa do flavonoide. Com um rápido cálculo matemático, poderíamos concluir que o tempo de resposta, nesses testes de memória, de um indivíduo de 60 anos seria próximo ao de uma pessoa de 30 anos!
Além disso, os testes de ressonância magnética funcional mostraram um aumento médio de 20% no fluxo sanguíneo na região do giro dentado dos indivíduos que tomaram altas doses do flavonoide do cacau. Curiosamente, esta região tem sido associada ao declínio da memória relacionada com a idade em seres humanos.
As notícias são animadoras, principalmente para os amantes de chocolate, mas adverte Scott Small: a quantidade de chocolate que teríamos que consumir para ter efeito similar seria muito grande e extremamente danosa para a saúde do indivíduo, afinal, não só de flavonoides é feito o chocolate!
Para que os flavonoides do cacau possam ser efetivamente utilizados para tratar perdas de memória, muitos pontos ainda devem ser esclarecidos. Esses flavonoides teriam algum outro efeito no organismo? A recuperação de memória seria duradoura? Outros flavonoides teriam efeitos similares? Além disso, testes de memórias mais complexos devem ser realizados para melhor compreender o efeito desses flavonoides sobre os processo de aquisição e consolidação de memórias.