Por José de Moura Leite Netto Jornalista e mestrando em Ciência/Oncologia pelo A.C.Camargo Cancer Center
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Cientistas descobriram que os cigarros eletrônicos podem ser menos nocivos que os convencionais, reforçando um debate ético em torno dos males do tabagismo. Pesquisadores do Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública da University College London (UCL) afirmam que para cada milhão de habitantes que optam por trocar o cigarro convencional pelo modelo eletrônico é esperada uma redução de mais de 6 mil mortes prematuras no Reino Unido por ano(1). Na tentativa de legitimar esta posição, os autores Robert West, Professor de Psicologia da Saúde da UCL e Jamie Brown, seu aluno de pós-doutorado, afirmam que os cigarros eletrônicos são sim mais seguros que os cigarros comuns. Robert West destaca que os cigarros eletrônicos trazem baixas concentrações de produtos cancerígenos, chegando a ser 20 vezes menores que as dos cigarros convencionais.
A Organização Mundial de Saúde (OMS), por sua vez, afirma que este aparente benefício não justificaria expor os jovens (o público-alvo preferido da indústria de cigarros eletrônicos), assim como as mulheres grávidas (pelo fato do produto poder prejudicar o crescimento do feto). Além disso, a OMS adverte que o vapor do dispositivo exala algumas substâncias tóxicas e nicotina no ar, além de não haver evidência que, de fato, este cigarro ajude os fumantes a abandonar o vício. (2)
Estas opiniões discordantes mantêm atuais os debates sobre questões éticas em torno do tema tabagismo. De um lado estão os favoráveis ao produto eletrônico, avaliando-o como um instrumento para redução de risco, que – no âmbito de política de saúde – merece sim ser considerado passível de uma análise, não só como alternativa para combate ao tabagismo, como também para outras drogas. Outro argumento se baseia no livre poder de escolha do fumante que, por sua vez, seria desqualificado quando se avalia que o cigarro eletrônico também afeta os fumantes passivos. Mas, até que ponto estas argumentações são válidas? Estimular a substituição de um mal maior por um menor é realmente uma ação válida? É ético?
Há uma histórica divergência, que perdura desde os anos 30 do século passado, tendo de um lado a indústria do fumo, indústria farmacêutica e parte da comunidade médico-científica e o outro formado por órgãos governamentais, movimentos antitabagistas e outra parte da comunidade médico-científica. À época, médicos e dentistas estampavam anúncios publicitários de inúmeras marcas, dentre elas Lucky Strike, Viceroy e Cammels, alardeando benefícios como alívio de sintomas de ansiedade e depressão e uma teórica associação com conceitos de liberdade e sofisticação.
Com o passar dos anos, os discursos da indústria tabagista foram desconstruídos, pois se tornaram evidentes os muitos malefícios do cigarro. Como resposta, a empresa Souza Cruz lançou em 2003 a campanha “Fume com Moderação”, com a proposta de convencer os fumantes de que eles podem, apenas com a força de vontade, reduzir o consumo de cigarros. Além disso, foram inseridos cartões com propaganda dentro dos maços para ofuscar as fotos que alertavam sobre câncer e impotência masculina, por exemplo. Os cartões traziam mensagens como Aproveite em excesso. Fume com moderação e Ninguém tem o direito de fazer suas escolhas por você.
As medidas antitabagistas, incluindo – mais recentemente – a proibição do fumo em lugares públicos fechados – foram bastante exitosas no Brasil em diminuir o percentual de fumantes. Hoje, 17% da população brasileira é fumante, média bastante inferior aos 35% registrados 30 anos atrás. Apesar desta redução, o câncer de pulmão – o mais diretamente relacionado com o consumo de tabaco – é a neoplasia que, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), mais mata no Brasil, sendo responsável por mais de 20 mil mortes anuais. Em âmbito mundial, segundo o Globocan 2012, levantamento da Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer (IARC), órgão ligada a OMS, os tumores de pulmão são responsáveis pela maior mortalidade na população masculina por câncer no mundo, com mais de 1 milhão de óbitos por ano (30 mortes para cada 100 mil homens do planeta).
Novos capítulos deste embate continuarão em pauta. O que cabe aos cientistas, médicos, governantes, jornalistas e demais formadores de opinião é avaliar quais são as melhores estratégias para promover melhor qualidade de vida para a população, mantendo-se atualizados quanto à literatura médico-científica, não carregando um pré-conceito no momento de avaliar as possíveis evidências relacionadas aos produtos alternativos ao cigarro e, ao mesmo tempo estar atento às investidas – nada inocentes – dos lobistas das megacorporações do fumo e da milionária indústria farmacêutica. Recomenda-se, como exercício de reflexão, assistir aos filmes “O Informante” (The Insider), de 1999, sobre um ex-executivo da indústria do fumo que concedeu aquela que seria uma impactante entrevista para o renomado 60 Minutes, da rede norte-americana CBS e “Obrigado por Fumar” (Thank you for Smoking), de 2005, que relata as estratégias de um lobista para criar argumentos que legitimem o hábito (não o vício, no discurso dele), de fumar.
Para saber mais acesse as referências bibliográficas abaixo: