Por Hélia Neves Prof. da Faculdade de Medicina de Lisboa – Portugal
Hoje voltamos a falar da microbiota intestinal (comumente conhecida por flora intestinal), considerada por alguns investigadores como um “novo órgão “ do nosso corpo. Num indivíduo adulto, a microbiota intestinal pode contribuir com até 2 kg do peso total e contem dezenas de bilhões de microrganismos (o seu número é 10 vezes superior ao número de células do nosso corpo). Nela estão incluídas pelo menos 1000 espécies diferentes de bactérias (micróbios), com mais de 3 milhões de genes (150 vezes o número de genes no ser humano).
Nos últimos anos, a comunidade médica/científica tem procurado incessantemente compreender a microbiota intestinal porque a sua atividade tem-se revelado de enorme impacto na saúde humana. Talvez também por isso, esse tema seja recorrente no nosso blog.
Só recentemente começamos a compreender o envolvimento da microbiota na manutenção da homeostase (ou equilíbrio) do nosso organismo e no desenvolvimento de múltiplas patologias. Em edições anteriores do nosso blog, discutimos o seu papel na regulação da função cerebral (“Bactérias intestinais podem contribuir para o autismo”, Dezembro 2013) e na predisposição para a obesidade (“Antibióticos, antigos aliados agora inimigos?”, Setembro de 2014) e câncer (Gordurinhas, bactérias e malignidades: novos personagens na biologia de tumores, Abril 2014). Hoje podemos ir um pouco mais longe e conhecer parte da linguagem das bactérias do intestino utilizada para modificar o nosso próprio metabolismo.
“Cientistas descobriram que…” algumas bactérias do intestino libertam moléculas sinalizadoras que estimulam a produção de insulina e modulam o apetite contribuindo para a obesidade.
Duas equipes de investigadores, lideradas por Andrew Goodman e Gerald Shulman, da Universidade de Yale (nos Estados Unidos), identificaram, num estudo realizado em ratinhos (camundongo), um dos sinais produzidos pelas bactérias intestinais responsável por modificações metabólicas associadas à obesidade do seu hospedeiro. Esses investigadores observaram níveis mais elevados de acetato [um ácido graxo de cadeia curta (AGCC)] na circulação sanguínea de ratinhos (camundongo) com uma dieta rica em gordura, em comparação com os encontrados em animais alimentados com uma dieta normal. Demonstraram que o acetato no sangue faz o seu caminho para o cérebro e esse envia, posteriormente, um sinal através do nervo vago para as células-b do pâncreas (o nervo vago é um mediador importante da sinalização nervosa entre o cérebro e os órgãos internos). Ao receberem o sinal, as células-b do pâncreas produzem insulina e essa, por fim, promove o armazenamento de calorias pela captação da glicose do sangue e pelo armazenamento de lipídios (gordura) no tecido adiposo (ver figura). Em paralelo, esses investigadores também observaram um aumento do hormônio grelina dependente da libertação do acetato. A grelina é um hormônio secretado pelo estômago e conhecido como a “hormônio da fome”. Uma das suas funções é estimular a ingestão de comida.
Esse estudo sugere a existência de um “ciclo vicioso” onde a microbiota intestinal, resultante de uma dieta com elevado teor de gordura, produz elevados níveis de acetato, que por sua vez levam a uma atividade aumentada de insulina e grelina no seu hospedeiro. A atividade hormonal aumentada reforça o armazenamento calórico, iniciado ele próprio pela ingestão de uma dieta alimentar com elevado teor de gordura. O perpetuar desse ciclo leva por fim à obesidade.
Sabemos hoje que os micróbios do intestino são parte ativa da manutenção do nosso metabolismo durante a vida, e o estudo realizado por esses investigadores mostra que a modulação dos mesmos, através da dieta alimentar, poderá condicionar drasticamente a nossa saúde. Esse estudo deve também por isso alertar-nos para a necessidade de integrarmos os “nossos companheiros de vida intestinal”, a microbiota intestinal, no nosso entendimento do desenvolvimento de distúrbios metabólicos como a resistência à insulina, níveis anormais de lipídeos no sangue e a intolerância à glicose.
Para acessar o artigo original, clique aqui.
Parece q o número de bactérias não chega a 10x. Deve ser algo próximo a 1:1.
http://www.sciencealert.com/bacteria-cells-don-t-actually-outnumber-human-cells-in-our-bodies-study-finds
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[]s,
Roberto Takata
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