À pesca de um tratamento personalizado do câncer

Por Rita Zilhão, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Portugal

Apesar dos avanços na terapia dirigida ao câncer, principalmente do progresso da imunoterapia (baseada na administração de anticorpos), a quimioterapia continua a ser uma das armas de ataque no combate ao câncer, sobretudo num cenário em que já se detectou o aparecimento de metástases. Os protocolos de administração dos diferentes quimioterápicos estabelecem-se e são aprovados de acordo com a sua, previamente demonstrada, eficácia e segurança em situações de câncer idênticas. Ou seja, baseiam-se numa estatística de diferentes respostas de diferentes indivíduos, e não na resposta individual de um determinado doente com um câncer específico. Devido a numerosos fatores, entre os quais a heterogeneidade de células dos tumores malignos e a própria evolução do processo tumoral, observa-se em alguns casos, o tratamento protocolar acaba por se revelar ineficaz, com a agravante de expor os doentes a uma toxicidade desnecessária que só os enfraquece. Por este motivo, desde há muito que se tem procurado progredir numa terapia personalizada.

Devido às suas semelhanças biológicas entre o ser humano e o modelo animal de ratinho (Mus musculus, camundongo), uma das primeiras aproximações experimentais foi transplantar ratinhos imunosuprimidos*com as células tumorais de um determinado doente (patient-derivedxenografts – PDX). Essa abordagem permitiria mimetizar o carácter único da evolução tumoral daquele doente, face a determinado agente quimioterápico. Contudo, na prática clínica essa metodologia revelou-se pouco produtiva não só devido ao elevado número de células tumorais necessárias ao enxerto, mas também ao tempo (meses!) que o tumor demorava a desenvolver-se e a dar resposta ao que poderia vir a ser um tratamento específico.

Entre 2010 e 2014, estabeleceu-se que o modelo animal do peixe-zebra era adequado a estudos de farmacologia humana e, para além disso, verificou-se que enxertando células tumorais humanas em larvas de peixe-zebra (Figura 1), a resposta desse hospedeiro ao enxerto era mais rápida (4 dias!), com uma boa resolução ao nível celular e com a vantagem de permitir realizar um grande número de transplantes. Essas observações viabilizaram que, recentemente, em agosto de 2017, a equipe de Rita Fior e Miguel Godinho da Fundação Champalimaud, Lisboa, Portugal, publicasse um estudo em que avançam na questão de fundo que é: qual a resposta de um tumor, de um determinado indivíduo, a fármacos.

Estes cientistas realizaram, primeiramente, um levantamento das opções terapêuticas disponíveis para testar a sua eficácia sobre as larvas do peixe-zebra PDX (enxertadas com células tumorais), e testar se se conseguia detectar diferenças de comportamento tumoral, relativamente aos ratinhos. Posteriormente, realizaram um estudo com células tumorais de cinco doentes com câncer coloretal em que as larvas do peixe-zebra PDX enxertadas (“avatares”**) funcionaram como sensores do comportamento tumoral e como plataforma de levantamento de diferentes fármacos. Nessa medida, os “avatares” foram tratados com a mesma quimioterapia administrada aos doentes, e comparou-se a resposta do tratamento nas larvas do peixe-zebra com a resposta na pessoa.

No conjunto dos seus resultados, verificaram que os peixe-zebra PDX são altamente sensíveis, revelando pequenas diferenças, não aparentes, entre tumores e que também propiciam a detecção, com boa resolução, de uma resposta aos diferentes fármacos. Por outro lado, no estudo com pessoas, observaram que dois doentes para os quais os tumores nas larvas não responderam à quimioterapia escolhida sofreram uma recidiva pouco tempo depois. Outros dois doentes, cujos “avatares” responderam ao tratamento, não sofreram qualquer recidiva até ao momento. O teste parece então ter funcionado em quatro dos cinco casos. Assim, “Estes cientistas descobriram que…”, como prova de princípio, há uma resposta idêntica às terapias, no desenrolar do processo tumoral em doentes e em peixes-zebra PDX, podendo esse modelo vir a funcionar como ferramenta biológica de uma terapia personalizada do câncer. Por último, e de grande importância, foi o fato de a diferente sensibilidade à terapia do câncer coloretal e o comportamento diferencial dos tumores ter sido revelado em apenas 4 dias… e não meses!

Para confirmar o poder preditivo deste teste, ainda será necessário fazer o mesmo tipo de ensaios e comparações em centenas de doentes. Mas alegremo-nos: para já, a utilização do peixe-zebra parece bastante promissora pois, com base em testes individuais, será possível fazer um levantameto de uma matriz de fármacos e escolher rapidamente, com segurança e de um modo personalizado, qual a terapia mais indicada para cada doente.

* Imunosuprimido significa que as defesas imunitárias do ratinho estão baixas ou nulas. Nesse caso, permite que o ratinho tolere, e não rejeite, um enxerto de células provenientes de um outro organismo (xenoenxerto).

** Avatar, em sentido figurado significa uma transformação que ocorre em algo ou alguém (metamorfose)

Para saber mais:

 

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