Por Vitor Klein Depto de Governança Pública da UDESC
A política é feita de bordões. Poucos, contudo, causaram tamanho impacto como àquele de Al Gore (1993), que afirmou, durante o governo de Bill Clinton, que era preciso criar um governo que custasse menos e funcionasse melhor [1]. Tal bordão ressoou (e ainda ressoa) como uma promessa sedutora, afinal quem poderia ser contra a ideia de que os governos devem custar menos e funcionar melhor. A ideia se tornou, no entanto, uma ambição resiliente por trás das inúmeras reformas nas administrações públicas ao redor do Globo. Conhecido como a Nova Gestão Pública (do inglês New Public Management), esse movimento visava tornar a administração pública mais parecida com a administração privada, objetivo levado a cabo por meio do uso de tecnologias da informação, de formas de accountability similares às das corporações privadas e da comunicação intensiva com os cidadãos. Hood e Dixon (2015) decidiram testar até que ponto a Nova Gestão Pública cumpriu com suas promessas no Reino Unido. A conclusão: após 30 anos de reformas, o governo britânico custa hoje um pouco mais e funciona um pouco pior.
A análise do desempenho do governo britânico ao longo dos 30 anos de reformas impôs certos desafios para os pesquisadores. Descontinuidades de dados e variações nas formas de categorização das despesas públicas tornavam difícil uma avaliação fiel de como o desempenho do governo se comportara até então. Ironicamente, essa é uma das principais bandeiras da Nova Gestão Pública para melhorar a eficiência do governo; na prática, observam Hood e Dixon, nem mesmo os agentes públicos entrevistados por eles conseguiam dizer se os custos estavam diminuindo ou aumentando. Apesar desses desafios, Hood e Dixon oferecem uma análise minuciosa da variação dos custos do governo britânico (operacionais, folha de pagamento e arrecadação de impostos) e da satisfação dos cidadãos ao longo de 30 anos de reformas.
Para responder à pergunta se o governo britânico custa menos ou mais hoje, os pesquisadores adotaram dois pontos de apoio: por um lado, eles buscaram avaliar as variações nos custos operacionais e da folha de pagamento do governo como um todo (whole-of-government); por outro, eles procuraram evidenciar ganhos em eficiência em apenas um pedaço do governo, mais especificamente, na arrecadação de impostos. Os pesquisadores são cuidadosos ao afirmarem que a resposta à pergunta acima dependerá do tipo de análise empreendida, se ela é feita com base em termos absolutos ou em relação ao total do gasto. Nesse ponto, os pesquisadores relatam que os custos operacionais do serviço público britânico (corrigidos pela inflação) cresceram substancialmente em todos os períodos observados. No entanto, os custos operacionais caíram em relação ao total dos gastos do governo, o que não necessariamente significa uma boa métrica, pois ocorreram transferências de alguns gastos do governo central para indivíduos e outras organizações. Eles também verificaram que, apesar da redução de um terço no número de servidores, os custos com a folha de pagamento terminaram um pouco acima do que eram no começo. E apesar desses custos terem caído mais acentuadamente em relação ao total do gasto, houve um aumento considerável nos custos com terceirização, consultorias e propaganda, o que impactou no custo total do governo. Uma importante ideia derrubada pelos dados levantados por Hood e Dixon é a percepção, comum entre críticos e defensores da Nova Gestão Pública, de que o período de Margareth Tacher teria sido marcado pelo enxugamento do Estado britânico. De acordo com os dados, no período da Dama de Ferro, os custos totais e operacionais do governo cresceram, em termos reais, 50% de 1980-81 até 1992-93 (custos líquidos cresceram numa proporção um pouco menor). Avaliando a hipótese de que as reformas gerencialistas teriam produzido um governo que custa menos os pesquisadores concluem, portanto, que essa é uma percepção superestimada. Ainda, caso considere-se o custo com a folha como o item mais relevante, os dados apontam que o governo britânico custa hoje praticamente o mesmo que há 30 anos.
Na análise setorial da arrecadação de impostos, Hood e Dixon relatam que o custo relativo à arrecadação caiu substancialmente ao longo do período observado. No entanto, em termos absolutos, os custos administrativos cresceram em uma proporção bastante similar aos dos gastos com a folha, o que sugere que projetos intensivos de tecnologia da informação e centralização não são uma rota direta para a redução de custos. Por fim, os pesquisadores avaliaram que houve um crescimento significativo nas reclamações formais e nos processos judiciais durante os 30 anos, o que não corrobora a hipótese de que o governo britânico estaria funcionando melhor. As razões por trás desse aumento são, segundo eles, uma combinação de falhas nos serviços públicos, resultante de um decréscimo no número de servidores, com o aumento da rotatividade em escalões estratégicos de formulação de políticas públicas.
A pesquisa de Hood e Dixon oferece uma visão menos otimista do que aquela propagada pelos idealizadores da Nova Gestão Pública. Os pesquisadores são cautelosos, no entanto, ao sugerir que outros estudos sejam conduzidos, uma vez que a análise de possíveis ganhos pontuais extrapola o foco da pesquisa realizada por eles. Além disso, a pesquisa desmistifica duas hipóteses comuns na literatura: a posição de que corte de gastos levaria, necessariamente, a piores desempenhos e a de que melhores performances podem ser atingidas apenas com aumento dos custos. A lição deixada pela pesquisa é, portanto, que a avaliação do desempenho da administração pública guarda muita semelhança com um jogo de mostra e esconde, uma vez que cada gestor tende a enfatizar aquilo que fez bem e esconder aquilo que fez mal. Um olhar de lupa pode revelar que gastos, que aparentemente diminuem, estão apenas mudando de lugar ou nome. Embora seja improvável que o bordão de Al Gore perca força depois dessa pesquisa, Hood e Dixon deixam claro que reinventar a administração pública está longe de ser algo trivial. Tal dificuldade dificilmente diminui o desejo por governos que custem menos e funcionem melhor.
Referências:
- GORE, A. From Red Tape to Results: Creating a Government that Works Better & Costs Less, Report of the National Performance Review, Washington (D.C.): U.S. Government Printing Office, 1993.
- HOOD, C. ;DIXON, R. A Government that Worked Better and Cost Less? Evaluating Three Decades of Reform and Change in UK Central Government, Oxford: Oxford University Press, 2015.