Células-tronco cardíacas “vestidas a rigor” com a ajuda das plaquetas… O “último grito da moda” na terapia celular de reparação da lesão cardíaca

Por Hélia Neves – Faculdade de Medicina de Lisboa – Portugal

Células estaminais cardíacas (azul e magenta) revestidas na sua superfície com nanovesículas de plaquetas (amarelo torrado). Creditos: NC State University.

As doenças cardiovasculares representam a maior causa de morte em países ricos e emergentes, causando um grande peso na sociedade. Todos os anos morrem mais de quatro mil portugueses, e mais de trezentos mil brasileiros, vítimas de enfarte agudo do miocárdio (vulgarmente conhecido como ataque cardíaco).

O enfarte do miocárdio é causado por coágulos que obstruem as artérias coronárias. Essas artérias são responsáveis pelo fornecimento de oxigénio ao coração e quando obstruídas levam a uma redução da oxigenação (isquemia) do músculo cardíaco, causando lesão e morte celular na região afetada. Nas lesões cardíacas isquémicas, a formação do coágulo resulta de alterações das paredes dos vasos que expõem os componentes da matriz extracelular do tecido conjuntivo (como o colagénio, fibronectina e factor de von Willebrand) no lúmen (interior) do vaso. Em condições normais estes componentes da matriz mantêm-se separados do lúmen do vaso por uma barreira epitelial (endotélio), e quando entram em contacto com o sangue circulante, interagem com as plaquetas, dando início ao processo de coagulação sanguínea.

Os cientistas descobriram que… “revestir” células estaminais (ou células-tronco) cardíacas com nanovesículas de plaquetas, melhora o processo de reparação do tecido cardíaco lesado, abrindo novos caminhos no tratamento do enfarte do miocárdio.

Esta história começa com a promessa de novas estratégias terapêuticas usando células estaminais no tratamento de pacientes com enfarte do miocárdio. No entanto, esta abordagem tem revelado alguns desafios… (entenda-se dificuldades). Um dos mais importantes é o de conseguir a correta localização da célula estaminal no tecido-alvo. Estudos recentes mostraram que, independentemente da via de entrega das células (sistémica ou local), a maioria das células transplantadas (>90%) são “lavadas” do tecido-alvo horas após o transplante.

O trabalho realizado por Ke Cheng e sua equipa, na Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, procurou ultrapassar esse problema “ajudando” as células estaminais cardíacas transplantadas a dirigirem-se para o tecido cardíaco lesionado e a permanecer nesse local.

O princípio foi simples. Os investigadores resolveram “fundir” as células estaminais cardíacas com os “sinais” das plaquetas, uma vez que estas conseguem naturalmente, localizar (como seguindo um sinal GPS) e ficar retidas, nos locais de lesão vascular. Os investigadores tentaram associar o “melhor de dois mundos”: por um lado, a capacidade de diferenciação das células estaminais cardíacas em tecido muscular cardíaco (miocárdio), e por outro, a capacidade das plaquetas localizarem e permanecerem no local lesado.

Neste trabalho, os investigadores começaram por identificar na superfície das plaquetas um conjunto de moléculas de adesão (glicoproteínas, proteínas com grupos glicídicos) responsáveis ​​pelo reconhecimento e ligação aos locais de lesão vascular. Depois, desenvolveram nanovesículas de plaquetas com este conjunto de moléculas (nano-VP) e fundiram-nas com as células estaminais cardíacas, criando células com uma superfície celular revestida por nanovesículas (CEC-nanoVP).

Por fim, realizaram múltiplos estudos in vitro e in vivo mostrando que a “nova roupagem” das células estaminais cardíacas com fragmentos de plaquetas conferia maior eficácia na recuperação do tecido cardíaco lesado, quando comparado com as condições experimentais de células não modificadas (sem “nova roupagem”). Em particular, este estudo mostrou, usando o modelo de enfarto do miocárdio, que animais injetados com CEC-nanoVP, apresentavam 2x mais células estaminais retidas no coração (tecido-alvo) e 20% mais função cardíaca do que o grupo controlo de células estaminais.

Curiosamente, os estudos desta equipa mostraram também que as CEC-nanoVP, por não terem a maquinaria celular interna da plaqueta, não disparavam os processos clássicos de coagulação, evitando o “efeito secundário” indesejável da formação de um coáulo sanguíneo na região lesada.

Este estudo, publicado na revista Nature Biomedical Engineering, sugere que as nanoVP melhoram a eficácia das células estaminais cardíacas no tecido-alvo, sem afetar o seu desempenho e sem efeitos colaterais negativos. Segundo as palavras do investigador líder deste trabalho, Ke Cheng: “Espero que possamos usar esta abordagem para melhorar a terapia com células estaminais cardíacas em futuros ensaios clínicos”.

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