Por Keli F. Seidel – Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR
Muitos de vocês conhecem bem certos aplicativos onde é possível solicitar comida e esta é entregue na sua casa (delivery = entrega). Com o endereço correto, a comida chegará até você. Esta é a analogia ao assunto de nosso texto onde vamos falar sobre nanopartículas capazes de auxiliar no “drug delivery” (drug delivery = entrega de medicamentos). Das várias dúvidas que podemos ter sobre este assunto, talvez a mais intrigante é: como as nanopartículas sabem em qual célula (o “endereço”) deve entregar o medicamento?
Estudos sobre drug delivery já vêm sendo explorados há mais de 20 anos. A utilização de sistemas nanoestruturados (nanopartículas, nanotubos, nanofios etc.) para realizar entrega de remédios permite o desenvolvimento de novos sistemas para um transporte eficiente de remédios, onde há uma liberação controlada destes medicamentos, aos tecidos doentes de sistemas vivos. Estes medicamentos são ligados às nanoestruturas de maneira controlada, sendo comumente chamado de funcionalização, ou seja, você passa a dar uma função específica àquela nanopartícula. Junto à medicação é também ligado outra(s) molécula(s) que chamamos de marcador. Marcadores são componentes químicos que têm afinidade com determinadas células de nosso corpo. Estes marcadores são na verdade o equivalente ao ter endereço em mãos (ou num GPS), pois é ele que vai endereçar a entrega correta do medicamento. Numa outra analogia, podemos dizer que este marcador seria como uma chave capaz de abrir somente uma determinada porta, e a porta seria a célula doente.
Na prática, tecnologias de drug delivery têm como principal intuito serem menos agressivas ao corpo humano uma vez que remédios são transportados diretamente para células doentes. Por exemplo, isso não acontece quando ingerimos a medicação via oral ou injetável, onde o fármaco será absorvido também por células saudáveis de nosso corpo podendo causar certa intoxicação. Porém, na prática, a tecnologia de drug delivery ainda possui problemas para serem resolvidos, pois nanocarreadores ainda estão associados à vários efeitos colaterais indesejados que diminuem seu uso eficiente em aplicações de biotecnologia e nanomedicina.
Mesmo havendo problemas com efeitos colaterais correlacionados aos nanocarregadores (às nanotrasportadoras), cientistas investem muito em suas pesquisas para trazer melhorias e por acreditar no potencial desta tecnologia. O objetivo principal de sistemas de distribuição nanoestruturados eficientes é reduzir a dose do medicamento necessária para obter um efeito terapêutico específico, reduzindo assim os custos e os efeitos colaterais associados ao seu uso. Recentemente, duas revistas científicas publicaram artigos de revisão que englobam vários importantes trabalhos desta área destacando os avanços obtidos em: “Nanopartículas inteligentes para aplicação de administração de medicamentos…” [1] e “Superando a barreira hematoencefálica: desafios e truques para a entrega de medicamentos no sistema nervoso central” [2].
Dentre os estudos já desenvolvidos, por exemplo, há o tratamento de certas desordens do sistema nervoso central incluindo diferentes tipos de neoplasias cerebrais. Tais tratamentos são limitados pelas administrações orais ou sistêmicas tradicionais de medicamentos, devido a possíveis efeitos colaterais graves e/ou falta de penetração no cérebro. Como consequência, a eficácia dos medicamentos é diminuída. Assim, os principais avanços de drug delivery estão relacionados às melhorias de comunicação entre “receptores e transportadores” do fluxo na membrana celular (equivalente ao encaixa da “fechadura e chave” da porta), que melhoram a eficácia da exposição do cérebro a compostos terapêuticos.
Existem também situações onde as nanopartículas possuem apenas marcadores. Seria o equivalente a ter somente a chave para abrir a porta, mas sem carregar o medicamento junto e estas nanopartículas são endereçadas até determinadas células cancerosas. Um exemplo disso são as nanopartículas de ouro (Au-NP) as quais são particularmente atraentes devido à propriedade de converter a luz que incide sob elas em calor. Este calor se espalha ao longo das células cancerígenas matando-as devido à alta temperatura, sendo este, um tratamento pouco invasivo por ser um tratamento localizado. As Au-NPs têm se mostrado versáteis também em situações onde elas podem ser funcionalizadas para direcionamento e imagem de células tumorais adrenocorticais (veja na ref [3]). Para os curiosos no assunto, muitas outras fontes sobre estes temas podem ser encontradas em locais confiáveis na internet, uma vez que as aplicações são muito amplas e não é possível mencioná-las neste texto.
Por fim, tão fácil quanto ir a um centro de diagnóstico médico nos dias atuais e injetar um contraste para realizar um exame, muito em breve, nanoestruturas serão injetadas em nosso corpo para levar medicamentos diretamente às células doentes. Com o endereço correto de entrega, as células saudáveis não devem sofrer com possíveis intoxicações. O importante mesmo é comemorar estes avanços científicos em prol de nossa saúde, capazes de nos fornecer uma vida longa e saudável, com tratamentos cada vez menos invasivos.
Referências utilizadas nesse texto:
- Smart Nanoparticles for Drug Delivery Application: Development of Versatile Nanocarrier Platforms in Biotechnology and Nanomedicine.
- Overcoming the Blood–Brain Barrier. Challenges and Tricks for CNS Drug Delivery.
- Anti-hMC2RL1 Functionalized Gold Nanoparticles for Adrenocortical Tumor Cells Targeting and Imaging.