Por Hélia Neves – Faculdade de Medicina de Lisboa – Portugal
Numa altura em que as vacinas de RNA são produzidas e distribuídas, “as we speak” (“à velocidade que nós falamos”), na tentativa de combater a pandemia COVID-19, urge saber mais sobre este tipo de vacinas.
Assim caro leitor, vamos começar por responder a uma questão simples. O que é uma vacina de RNA?
As vacinas de RNA são compostas por uma sequência de mRNA (a molécula que diz às células o que construir) que contém a informação genética para gerar uma proteína específica do agente infeccioso causador da doença. Uma vez administrada a vacina, essa proteína é produzida e reconhecida pelo sistema imunológico do indivíduo, preparando-o para lutar contra o agente infeccioso.
Estas vacinas são diferentes das vacinas convencionais, que geralmente contêm os organismos causadores de doenças inativadas ou algumas das proteínas produzidas pelo agente patogênico. Na verdade, são duas estratégias de representar o referido agente infeccioso que atuará como antígeno (molécula estranha), estimulando a resposta do sistema imunológico na produção de anticorpos e células de memória, mas sem causar doença. No caso das vacinas de mRNA, é administrada a informação genética (mRNA), sendo as células do indivíduo vacinado responsáveis por produzir as proteínas dos agentes infecciosos.
Quer as vacinas de RNA, quer as vacinas convencionais, respeitam o princípio básico da vacinação: ao estimularem a resposta imunológica produzindo anticorpos contra o agente infeccioso, preparam o corpo para responder de forma mais rápida e eficaz a uma exposição futura ao agente infeccioso.
Qual é então a novidade/vantagem e como funcionam as vacinas do RNA?
Os cientistas descobriram que… as vacinas de RNA, por serem de rápida e fácil produção, poderão ser utilizadas no combate de patógenos em rápida evolução, como a gripe, ou ameaças de doenças emergentes, como os vírus Ébola ou Zika. Neste ano, 2020, quase todos os esforços se concentraram no combate da nova doença pandêmica COVID-19, causada pelo vírus Sars-cov-2.
Outra grande vantagem das vacinas de RNA é o facto de tirarem partido do processo normal de produção de proteínas que as células utilizam: as células usam a molécula que contém a informação genética no núcleo, isto é, o DNA (ácido desoxirribonucleico, ADN), como molde para fazer moléculas de RNA mensageiro (mRNA, ácido ribonucleico, ARN), que “transporta” a informação do DNA para fora do núcleo e que, por sua vez, vai ser traduzido em proteínas no citoplasma (ver vídeo 1, como uma célula produz proteínas).
Uma vacina de RNA consiste numa sequência de mRNA que codifica uma proteína específica do agente infeccioso. Uma vez dentro das células do corpo, a sequência de mRNA é usada para produzir a proteína do agente infeccioso. Essa proteína é então exibida na superfície da célula, onde é reconhecida pelo sistema imunológico como sendo estranha ao corpo. Se esse reconhecimento for eficaz, o sistema imunológico começa a produzir anticorpos contra a referida proteína (o antigénio).
Como as vacinas de RNA são produzidas e administradas?
Uma grande vantagem das vacinas de RNA é que o mRNA pode ser produzido em laboratório a partir de um molde de DNA, usando materiais/ferramentas moleculares simples e facilmente disponíveis. Este processo é menos dispendioso e mais rápido do que a produção de uma vacina convencional, que pode exigir o uso de ovos de galinha ou outras células de mamíferos. A produção de vacinas de RNA pode também ser padronizada e escalada, permitindo potencialmente, respostas rápidas a grandes surtos e epidemias/pandemias.
As vacinas de RNA por não serem produzidas nem estarem associadas a elementos infecciosos, poderão ser possivelmente mais seguras para o paciente, do que algumas vacinas convencionais. Também, o RNA não se integra, em princípio, no genoma do hospedeiro (porque não vai ao núcleo da célula) e a sequência de RNA da vacina é degradada assim que a proteína é produzida (no citoplasma da célula).
Há desvantagens ou desafios no uso de vacinas de mRNA?
Embora os métodos de produção de vacinas de mRNA já sejam eficazes, há ainda desafios importantes a superar para garantir que essas vacinas funcionem de forma adequada. Que efeitos secundários poderão existir? A sequência de mRNA do agente infeccioso pode desencadear uma reação imunológica não intencional. Os estudos até à data são escassos, deixando esta questão em aberto. Assim como se desconhece a eficácia das vacinas de mRNA a longo prazo, isto é, quanto tempo dura a imunidade obtida com a vacinação (a quantidade/qualidade dos anticorpos contra o agente infeccioso e a capacidade de gerar células de memória). As respostas a estas questões são particularmente presentes nas novas vacinas de mRNA desenhadas para combater a pandemia COVID-19.
Fazer chegar a vacina de forma eficaz às células do corpo é um desafio. O RNA livre no corpo é rapidamente degradado e a tradução do mRNA em proteína dá-se no interior das células. Assim, para ajudar o mRNA da vacina a chegar e a entrar nas células-alvo, este é envolvido por uma molécula maior que o estabiliza e/ou é empacotado em partículas ou lipossomas que atravessam a membrana celular e permitem o mRNA chegar ao citoplasma onde ocorre a tradução.
Uma grande desvantagem de algumas destas vacinas é talvez a necessidade de serem conservadas (quando armazenadas e distribuídas) em temperaturas muito baixas (80°C negativos) para garantir a estabilidade da molécula de mRNA. Esta limitação é hoje “mais importante que nunca”, considerando as capacidades limitadas/ausentes de refrigeração que muitos países enfrentam em plena pandemia COVID-19.
No momento presente estão confirmados 69.143.017 casos positivos, de COVID-19, que resultaram 1.576.516 mortes no mundo inteiro (dados da Organização Mundial de Saúde, a 11 Dez 2020). A utilização de vacinas no combate à pandemia COVID-19 é por todos considerada como essencial!
Há por isso uma responsabilidade acrescida da comunidade científica em comunicar de forma clara os resultados de cada estudo e/ou tratamento realizados na procura da cura para a doença COVID-19. É preciso, no entanto, não esquecer, que a ciência tem o seu tempo próprio, para conseguir dar as respostas cientificamente corretas que o mundo necessita saber.
Glossário:
- Anticorpo (ou imunoglobulina) – molécula produzida por plasmócitos em resposta a antigénios.
- Antígeno – molécula reconhecida como estranha pelo sistema imunitário e que leva à produção de anticorpos.
- Plasmócito – célula do sistema imunitário produtora de anticorpos e que resulta da maturação do linfócito B após contato com antígenos.
- Célula de memória – linfócito com rápida capacidade de resposta a antígenos previamente apresentados (promovendo a “memória”) ao sistema imunitário.
Principais fonte utilizadas nesse texto: