Por Paulo César Simões-Lopes – Dpto de Ecologia e Zoologia – UFSC
Somos bons nisso… Somos eficientes. Nossa fama não é a de um “exterminador do futuro”, de fato, somos exterminadores do presente no que tange à perda de espécies e hábitats. Estima-se que perderemos 5% das espécies do planeta nas próximas décadas, devido ao aquecimento global, diz uma breve nota publicada na Revista Nature [1]. Em terra e no mar, já alteramos, significativamente, mais de 65% de todas as áreas. E o que fazem alguns dos países mais populosos e poluidores do mundo? Retiram-se do acordo de Paris… ou simplesmente não fazem nenhum esforço para cumpri-lo.
Já demos cabo de muitas espécies, do dodô, da vaca-marinha de Steller, do rinoceronte de Java, do ibex dos Pirineus, da arara de Spix, da tartaruga de pinta das Galápagos, do baijii ou golfinho chinês e por aí vai, só para citar espécies grandes. É uma lista bem maior, infelizmente. Poderíamos dizer que algumas espécies que hoje aparecem na Lista Vermelha da IUCN (The IUCN Red List of Threatened Species) já figurariam, faz tempo, em uma Lista Cinzenta, isto é, seriam ‘cartas fora do baralho’ em seus países de origem. Quando o baijii foi declarado extinto na natureza em 2010, houve comoção mundial, mas sua sorte já estava selada muito antes, devido à brutal perda de hábitat, à sobrepesca e muitos outros fatores combinados. Em outras palavras, era uma morte anunciada.
As toninhas, Pontoporia blainvillei, nosso pequeno golfinho costeiro e estuarino, caminha a passos largos para a extinção e foi declarado “Vulnerável” pela mesma lista da IUCN em 2017 [2]. Poucas décadas a separam da extinção e ela continua a morrer do efeito colateral da pesca, emalhada em “redes que não vê”.
Agora temos de colocar na Lista Vermelha outra espécie de golfinho, desta vez o menor de todos, que chamamos coloquialmente de tucuxi (Sotalia fluviatilis) [3]. Restrito à Bacia do Amazonas-Solimões e seus tributários, sua distribuição abarca quatro países: Colômbia, Equador, Peru e Brasil. Em todos já estava na lista cinzenta há um bom tempo. Os Cientistas Descobriram Que eles são caçados para serem transformados em isca na pesca da piracatinga (Calophysus macropterus), são arpoados para servir de alimento aos ribeirinhos, seus órgãos, olhos e dentes são comercializados ilegalmente − e frequentemente − para fins supersticiosos…, eles são capturados acidentalmente em redes de pesca que são colocadas na confluência dos rios, são envenenados, propositalmente, pelos pescadores devido ao receio de competição (peixes envenenados são lançados perto dos golfinhos), são mortos com explosivos pela mesma razão, são envenenados casualmente pelo despejo de organoclorados, organobromados e metais pesados, e seus deslocamentos são interceptados por uma rede de barragens como aconteceu com o baijii.
Assim é em países como o Brasil, onde há política explícita de aniquilação ambiental, onde se despreza a ciência e a educação, e se despreza os alertas honestos dos conservacionistas. Você acha mesmo que a mídia exagera as queimadas da Amazônia, do Pantanal, do Cerrado, da Caatinga, da Mata Atlântica? Se você fosse um brigadista de incêndios não veria da mesma forma, penso eu.
Agora o tucuxi entrou para a Lista Vermelha da IUCN e já o fez como Espécie Ameaçada (Endangered – EN). Agora só falta mais um passo (Critically Endangered – CR), e depois disso é Extinção na Natureza. Não há qualquer outro passo a dar.
Somos os “exterminadores do presente”, odiamos ser confrontados por alertas conservacionistas e provas científicas. Por que preferimos, toda vez, transformar tudo na crônica de uma morte anunciada? Esta é a Política Nacional que endossamos? Mais uma espécie condenada?…
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Prezado Prof. Paulo,
Excelente a matéria de sua autoria intitulada “O Tucuxi na Lista Vermelha (Ou na lista cinzenta). A crônica da Morte Anunciada?…”. Poucas pessoas se dão conta sobre o quão urgente é conservar a natureza e sobre a importância das listas de espécies ameaçadas como indicadoras do desastre que se avizinha sobre a humanidade. Realmente a situação ambiental está cinza, o fogo consumiu quase 4,5 milhões de hectares do Pantanal (30% desse bioma no Brasil) neste ano, de acordo com o Instituto SOS Pantanal, e o desmatamento da Amazônia quebrou recordes e alcançou a maior área registrada dos últimos 12 anos segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O senhor foi gentil ao dizer que o Brasil atual, “possui uma política explícita de aniquilação ambiental”. A verdade é que o Brasil atual (leia-se executivo) não respeita nenhuma politica ambiental, ele possui uma política de Terra Arrasada. Aquela tática de guerra que envolve destruir qualquer coisa que possa ser proveitosa “ao inimigo” enquanto este avança ou recua em uma determinada área. E esse inimigo pelo jeito é o povo brasileiro, pois o governo atual está destruindo toda a construção da política ambiental duramente negociada e desenvolvida ao longo de décadas após a ditadura militar. Aliás, diga-se de passagem, política que começou a ser construída no Governo de “distensão lenta, gradual e segura” do presidente-ditador Gen. Figueiredo, graças ao brilhante trabalho encabeçado pelo biólogo Paulo Nogueira Neto e pelo advogado Paulo Affonso Leme Machado, que definiram a Política Nacional do Meio Ambiente e seus instrumentos de gestão ambiental. A continuar a terra arrasada no âmbito da legislação, no enxugamento do IBAMA e ICMBio, e na prática da terra real, as futuras gerações de brasileiros irão sentir na carne o que é viver em um país desigual socialmente e insustentável ambientalmente. Isso realmente é um desastre sem precedentes para um pais que havia, há pouco, começado a obedecer os preceitos da constituição de 88 e atualmente se derrama na escuridão da anti-ciência e anti-educação, “e despreza os alertas honestos dos conservacionistas”. Parabéns professor.