Por Keli F. Seidel – UTFPR

Que tal incluir à sua dieta saudável um pouco mais de vegetais, alimentos integrais, frutas e “dispositivos eletrônicos doces”? Muita calma nesta hora, pois esta pode não ser a recomendação de um(a) nutricionista, mas talvez a recomendação médica para auxiliar num diagnóstico ou tratamento médico.
Dispositivos que englobam a área de eletrônica comestível são aqueles que podem ser ingeridos e metabolizados dentro do nosso corpo sem causar danos devido à não toxicidade dos materiais que os compõem. Mas talvez você questione sobre qual seria a necessidade de comer um dispositivo eletrônico?
A resposta não se resume a uma única aplicação, podendo haver diferentes propósitos. Uma opção de utilização da eletrônica comestível é sua aplicação na superfície de alimentos na indústria alimentícia. Esta, pode ser usada na rotulação direta de alimentos sem embalagem, exercendo o papel de “etiquetas inteligentes e comestíveis” com potencial de comunicação com o usuário em tempo real. As etiquetas inteligentes podem fornecer o monitoramento da qualidade dos alimentos ao longo da cadeia de distribuição, podendo ainda fornecer indicadores de deterioração e contaminantes como: pesticidas, antibióticos ou bactérias [1]. As etiquetas poderiam, ou não, ser removidas ao serem lavadas antes da ingestão do alimento, sem causar danos à sua saúde caso resíduos da etiqueta permaneçam sobre uma fruta ou no alimento em questão.
Entretanto, o maior volume de pesquisas desta área é para aplicações destes dispositivos em diagnósticos ou tratamentos médicos onde o dispositivo eletrônico comestível exerce o papel de uma “pílula inteligente” que é ingerida e metabolizada dentro do corpo, após a realização de sua tarefa. Estes dispositivos podem conter, por exemplo, um determinado medicamento que precisa ser fornecido com precisão dentro do corpo e, ao mesmo tempo, medir a absorção desta droga ministrada. Outro exemplo seria para monitorar sintomas de distúrbios gastrointestinais e o microbioma intestinal [1]. Isso permitiria que os médicos observassem remotamente a saúde de órgãos internos dos pacientes sem uma visita ao hospital, sendo um avanço relacionado à teleconsultas e telessaúde.
Em comum, as aplicações citadas necessitam que estes dispositivos sejam constituídos de materiais sintéticos à base de alimentos ou, preferencialmente, derivados de fontes naturais. A maioria dos materiais gerados a partir de alimentos naturais possui baixa condutividade eletrônica, o que limita sua exploração como condutores na eletrônica. A averiguação das propriedades elétricas de alimentos naturais e a sua aplicação em dispositivos comestíveis têm se tornado uma interessante e ampla área de investigação de muitos pesquisadores. Sobre estas pesquisas, já há um vasto cardápio de dispositivos propostos na literatura científica prontos para serem provados e, alguns com requintes para um cardápio gourmet. São exemplos os supercapacitores de queijo [2], microfones de brócolis [3] ou ainda transistores baseados em pigmentos comestíveis [1] e até mesmo mel de abelha [4, 5]. Um obstáculo com que os pesquisadores têm se deparado é estabelecer a comunicação destes dispositivos dentro do corpo com o meio externo, de forma a transmitir as informações coletadas para serem averiguadas. “Sensores e implantes não comestíveis já são capazes disso usando sistemas de radiofrequência (RF), mas sistemas de RF totalmente comestíveis ainda não existem” [1].
Apesar de haver avanços tecnológicos nesta área, estes têm sido mais lentos do que os pesquisadores almejam. Porém, decorrente destas pesquisas sobre eletrônica comestível, ideias são estendidas na aplicação de componentes eletrônicos com outras finalidades. As vantagens de expandir a utilização de alimentos para compor camadas de dispositivos, traz uma nova frente de produção de dispositivos “eco-friendly”, cujo processo de fabricação e descarte agridem menos a natureza. Este é o exemplo dos transistores que utilizam mel de abelha como porta eletrolítica [4, 5]. Seu potencial de uso não está necessariamente na ingestão do mesmo, mas na utilização deste em sensoriamento numa interface eletrônica/corpo humano, em contato com a pele ou outra parte externa do corpo. O mel de abelha é antibactericida e antifungicida natural, podendo dar maior segurança de aplicação deixando pacientes menos relutantes em sua utilização, frente aos materiais artificiais. O mel de abelha é apenas um exemplo a ser citado. Olhando apenas para o Brasil, perante nossa vasta diversidade na flora e fauna, há muito ainda a ser explorado por pesquisadores abertos a estudos multidisciplinares. É uma verdade que, até o presente momento, os eletrônicos comestíveis têm agradado apenas ao apetite tecnológico de pesquisadores e não necessariamente ao paladar dos possíveis pacientes. Desta forma, continuamos ainda esperando pela chance de degustar um dispositivo a base de mel, brócolis ou, ainda, outro alimento saudável, quiçá com requinte gourmet.
Para saber mais:
- Edible Electronics: The Vision and the Challenge
- Food-Materials-Based Edible Supercapacitors
- Food-Based Edible and Nutritive Electronics
- Sweet Electronics: Honey-Gated Complementary Organic Transistors and Circuits Operating in Air
- Transistor com porta eletrolítica utilizando méis de abelhas nativas do Brasil como eletrólito