As mudanças climáticas podem contribuir para o aumento da resistência aos antibióticos?

Por Fabienne Ferreira Dpto. de Microbiologia, UFSC

Em 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou uma lista com as 10 principais ameaças à saúde pública mundial, onde estão inseridas as mudanças climáticas e a resistência aos antibióticos. Mudanças climáticas referem-se às alterações de longo prazo nos padrões médios de temperatura, precipitação, ventos, entre outros aspectos no planeta. As principais consequências das mudanças climáticas incluem o aquecimento global, o derretimento das geleiras, eventos climáticos extremos e perda de biodiversidade. Segundo a OMS, estas mudanças estão relacionadas a cerca de 250.000 mortes adicionais esperadas por ano entre 2030 e 2050. 

Já a resistência aos antibióticos é um fenômeno em que microrganismos, como bactérias, tornam-se menos sensíveis ou completamente resistentes aos efeitos dos antibióticos que anteriormente eram eficazes contra eles.

 Isso significa que o tratamento de infecções comuns fica mais difícil, podendo tornar a infecção mais grave e até levar à morte. A resistência aos antibióticos está associada a cerca de 5 milhões de mortes anuais no mundo, segundo a OMS. 

Ambas as ameaças são fenômenos naturais, mas que podem ser aceleradas por atividades humanas, segundo diversas evidências científicas. Considerando a gravidade destas duas ameaças, cientistas discutiram recentemente sobre as possíveis associações entre mudanças climáticas e resistência aos antibióticos em uma revisão publicada em 2023 na revista “International Journal of Environmental Research and Public Health”. Esta associação foi discutida a partir de estudos publicados em 2018 nos Estados Unidos da América (EUA) e em 2020 em países da Europa. Nestes estudos, os cientistas mostraram que quanto maior a temperatura de uma região, maior a incidência de resistência aos antibióticos. Nesta dinâmica, como as mudanças climáticas poderiam contribuir para aumentar a resistência? 

Tem sido sugerido que esta contribuição ocorre em duas escalas principais: em uma microescala de alterações fisiológicas e genéticas nas células: Neste caso, células microbianas individuais são afetadas.

O aumento da temperatura global, uma das características mais marcantes das mudanças climáticas, afeta a sobrevivência de microrganismos na presença de antibióticos.

Por exemplo, estudos apontam que a adaptação de bactérias como Salmonella (responsáveis por infecções intestinais) e Vibrio cholerae (agente da doença cólera, também uma infecção intestinal) a temperaturas mais quentes levaram a re-emergência das doenças relacionadas a elas. Isso ocorreria porque o aumento gradual da temperatura é capaz de aumentar a taxa de crescimento microbiano e a taxa de mecanismos de transferência horizontal de genes. Esses mecanismos ocorrem quando uma bactéria transfere para outra uma marca de resistência a antibiótico presente no seu DNA. Tanto Salmonella quanto Vibrio cholerae são encontradas em ambientes com grandes concentrações de antibióticos, que são respectivamente frangos de granjas (típicos transmissores de Salmonella), onde antibióticos são utilizados extensivamente; e ambientes aquáticos (água é o principal veículo de transmissão da cólera), aonde o antibiótico vem de fontes diversas de poluição. Assim, evidências sugerem que em ambientes mais quentes, as bactérias crescem mais e estão mais propensas a exibir resistência aos antibióticos.

Em uma macroescala de alterações nos ecossistemas: O aumento da temperatura global está intimamente ligado à modificação nos ambientes, como na manifestação de inundações, incêndios florestais, etc. Estas modificações têm uma série de consequências, como o deslocamento da população, aumento de atendimento em saúde (aumentando o consumo de antibióticos) e perda de diversidade de espécies. Neste sentido, pode haver alteração da distribuição de vetores de doenças. Um exemplo desta questão é a destruição de uma floresta, que pode aproximar animais silvestres da cidade e, portanto, do contato com humanos. Estes animais silvestres podem carregar microrganismos exibindo resistência aos antibióticos que antes não eram conhecidos, por estarem em uma área isolada. Outros estudos apontam que, quando há destruição de um habitat, há perda de diversidade de espécies, com tendência a homogeneização dos hospedeiros.

Os cientistas sugerem que essa homogeneização facilite a transmissão de resistência de um microrganismo para outro, uma vez que as mesmas espécies ou hospedeiros em contato próximo apresentam mais afinidade biológica para disseminar marcas genéticas de resistência, o que não ocorre tão facilmente quando há diversidade.

Embora a associação entre mudanças climáticas e resistência aos antibióticos tenha sido reportada, as suas complexas relações e interações ainda não foram esclarecidas. Na verdade, as evidências científicas atuais ainda são escassas e baseadas em estudos majoritariamente observacionais, que não apontam relação direta de causa e efeito. Ou seja, ainda não dá para dizer que as mudanças climáticas causam resistência aos antibióticos. Assim, sugere-se a necessidade de mais estudos envolvendo cientistas de diversas áreas, em modelos multidisciplinares que possam entender esta complexa dinâmica em uma escala global. 

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