Daniel Fernandes e Gabrielle Delfrate – Departamento de Farmacologia – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
A insuficiência cardíaca é uma condição grave em que o coração não consegue bombear o sangue de maneira eficaz, resultando em uma distribuição inadequada de oxigênio pelo corpo. Esse comprometimento pode levar a sintomas como fadiga, falta de ar e, em alguns casos, tosse persistente. Atividades diárias simples, como caminhar, subir escadas ou carregar compras, podem se tornar extremamente desafiadoras.
A boa notícia é que o tratamento adequado pode aliviar os sintomas e, em alguns casos, ajudar as pessoas a viverem mais tempo e com melhor qualidade de vida. Além disso, recentemente, cientistas descobriram uma nova alternativa com o potencial de reduzir significativamente os danos causados pela insuficiência cardíaca e outras doenças cardiovasculares.
Para compreender essa nova opção de tratamento, é importante lembrar que, além de funcionar como uma bomba mecânica, o coração também produz e libera hormônios na corrente sanguínea. Se você conhece alguém com insuficiência cardíaca, pode saber que um destes hormônios, o peptídeo natriurético tipo B (BNP), é dosado no sangue para ajudar no diagnóstico e controle da doença. Isso ocorre porque em situações de estresse, as células musculares cardíacas liberam esse hormônio como um mecanismo de proteção. Esse hormônio se liga e ativa uma proteína receptora chamada NPR1 (Receptor 1 do Peptídeo Natriurético), presente na superfície de várias células do nosso organismo. A ativação de NPR1 é capaz de diminuir a pressão arterial, aumentar a excreção de sal e água pelos rins, impedir o espessamento anormal do músculo cardíaco, entre outros efeitos que podem auxiliar a resposta do organismo à insuficiência cardíaca.
Os pesquisadores há muito tempo buscam maneiras de potencializar os efeitos protetores dos hormônios liberados pelo coração no tratamento da insuficiência cardíaca. Mas agora, os cientistas desenvolveram uma estratégia terapêutica inovadora usando um anticorpo ativador de NPR1. Embora outros anticorpos ativadores de receptores já estejam bem estabelecidos no tratamento de outras doenças, como câncer, o uso de tais medicamentos também chamados de “biológicos” para tratar doenças cardiovasculares ainda está em estágios iniciais.
O anticorpo, que foi denominado de REGN538, é capaz de aumentar o efeito do BNP, por um mecanismo que os farmacologistas chamam de ativação alostérica. Mas o que mais chamou a atenção dos cientistas é que ele pode ativar por si próprio o receptor NPR1, portanto mesmo na ausência do hormônio endógeno ele pode exercer um efeito protetor. Estes resultados foram obtidos em animais de laboratório.
Após estes resultados encorajadores, os cientistas testaram o anticorpo em humanos saudáveis. Comparado com um placebo, a administração intravenosa do anticorpo reduziu a pressão arterial na dose mais alta (embora o efeito tenha sido mais fraco do que o observado em animais), e isso foi mantido pelo período de três dias. Estes dados são animadores porque este efeito pode de fato ser benéfico na insuficiência cardíaca.
Porém, alguns pontos importantes precisam ser destacados. Embora o REGN5381 tenha sido bem tolerado em humanos saudáveis e não tenha causado efeitos colaterais graves, dois voluntários apresentaram um aumento anormal na frequência cardíaca (possivelmente associado à queda da pressão arterial). Além disso, esperava-se que o anticorpo promovesse efeito diurético, o que não foi observado. Esse resultado intrigou os cientistas, levantando questões sobre o real mecanismo de ação do anticorpo. Vale também ressaltar que vários autores do estudo são empregados da empresa farmacêutica responsável pelo desenvolvimento do anticorpo, um conflito de interesse que foi devidamente declarado.
De qualquer forma, os dados obtidos são encorajadores! O próximo passo, que será crucial, é investigar o impacto desse tratamento em pacientes com insuficiência cardíaca que apresentem diferentes níveis de BNP, a fim de identificar quais perfis respondem de forma mais eficaz a essa abordagem terapêutica inovadora.
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