Por Hélia Neves – Faculdade de Medicina de Lisboa – Portugal
Obs: Este texto foi redigido em português de Portugal, com o vocabulário e as normas ortográficas do país.

O timo é um órgão que desempenha um papel essencial de defesa do nosso organismo, protegendo-o contra microorganismos e garantindo a tolerância aos próprios tecidos do corpo. Nos mamíferos, aves e peixes ósseos, os primórdios do timo originam-se da terceira e/ou quarta bolsas faríngicas durante o desenvolvimento embrionário. Em tubarões, os primórdios do órgão localizam-se entre a segunda e a sexta bolsas faríngicas, enquanto em anfíbios encontram-se na segunda bolsa, e em répteis nas segunda e terceira bolsas faríngicas.
Para explorar esta variação entre espécies, investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL) / Gulbenkian Institute for Molecular Medicine (GIMM), desenvolveram um modelo in vitro quimérico de codorniz e galinha. “Nesses ensaios, as bolsas faríngicas isoladas de embriões de codorniz desenvolveram-se em contacto com tecidos específicos dos arcos faríngicos de embriões de galinha”, explicou Isabel Alcobia, primeira coautora do estudo.
E “os cientistas descobriram que…” a segunda bolsa faríngica consegue formar timo tão eficientemente quanto a terceira/quarta bolsas (local habitual de formação do órgão), desde que em contacto com o tecido apropriado. Estas observações demonstram a existência de um programa conservado capaz de induzir o desenvolvimento do timo em diferentes bolsas faríngicas, independentemente da sua posição anatómica original. De forma notável, o estudo identificou a região dorsal do segundo arco faríngico como inibidora da formação do timo, destacando o papel dos tecidos circundantes na modulação deste programa genético.
E como estes estudos poderão ser relevantes para a medicina humana?
Existem doenças humanas complexas, embora raras, em que o timo apresenta uma localização anatomicamente incorreta e está subdesenvolvido, ou, em casos extremos, está completamente ausente, colocando em risco a sobrevivência do indivíduo. Um exemplo é o síndrome de deleção 22q11.2, também conhecido como síndrome de DiGeorge. Até hoje, as alterações na posição/ausência do timo nesta patologia têm sido amplamente interpretadas como um problema de migração ou reposicionamento do órgão durante o desenvolvimento.
No entanto, este estudo oferece uma nova perspetiva, sugerindo que o órgão pode, na verdade, desenvolver-se a partir de uma região do embrião que, em condições normais, não o faria, apenas por receber sinais ambientais diferentes. Como se em locais que habitualmente não forma o timo, os sinais alterados do ambiente despertassem um “projeto adormecido”… mas a que preço?
Para compreender melhor esta hipótese, podemos recorrer a uma analogia: imagine um engenheiro com um projeto meticulosamente planeado para construir uma ponte, dispondo de todos os materiais e recursos necessários. No entanto, devido a uma indicação errada sobre o local da construção, a ponte é iniciada num sítio errado. O leitor poderá compreender bem o impacto deste problema! A ponte, embora com o potencial de ser bem construída, pode não ter espaço para ser acabada… ou pior, a falta de uma base sólida por má localização pode levar ao colapso da estrutura durante a tentativa de construção… Esta analogia ilustra como um erro nos sinais/indicações ambientais sobre o “local” de desenvolvimento do timo, pode ao ativar um “projeto adormecido” para formar o órgão num local inadequado, resultar em malformações que, em casos extremos, podem levar à ausência completa do timo.
É por isso essencial a identificação da informação genética do “projeto adormecido” de formação do timo e os sinais do ambiente que o regulam. Para tal, os investigadores estabeleceram uma colaboração com Margarida Gama-Carvalho, do Instituto de Biosistemas e Ciências Integrativas (BioISI) da Faculdade de Ciências de Lisboa. Utilizando técnicas avançadas como microdisseção e sequenciação massiva de mRNA, foram gerados perfis transcritómicos detalhados de diferentes regiões embrionárias. “Esses perfis permitem identificar os genes ativos em cada tecido e compreender as semelhanças e diferenças moleculares por detrás das observações experimentais,” salientou Margarida Gama-Carvalho, coautora principal do estudo. A integração destes dados com bases públicas de redes de sinalização celular revelou as vias de comunicação entre os arcos e bolsas faríngeas que, dependendo do contexto, podem inibir ou promover o desenvolvimento do timo.
Embora este estudo avance na compreensão das interações moleculares envolvidas, ainda são necessários testes funcionais para validar estas descobertas. Os investigadores pretendem explorar essas etapas no futuro, o que poderá gerar novas oportunidades para manipular o desenvolvimento do timo com fins terapêuticos.
Caro leitor, este estudo tem um significado muito especial para mim, porque liderei a equipa que o tornou realidade, um grupo de “antigos” amigos e colaboradores, a quem estou particularmente reconhecida. Junto enfrentámos um percurso difícil, mas gratificante, que nos trouxe a este resultado. Este foi o meu presente no “sapatinho de Natal” que com alegria partilho agora convosco. Desejo a todos um ano de 2025 repleto de inspirações e boas leituras sobre ciência aqui no nosso blog. Feliz Ano Novo!
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