Por Camila Santos-Souza e Ricardo Garcez – Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Imagine um organismo tão surpreendente que é capaz de infectar e assumir o controle de outro ser vivo, o transformando em um verdadeiro “zumbi”. Parece ficção, mas isso realmente acontece na natureza! Foi essa característica assustadora e fascinante de alguns fungos que inspirou o universo do jogo The Last of Us, onde uma mutação de um fungo Cordyceps desencadeia um apocalipse. A propósito, este mesmo tipo de fungo já foi encontrado aqui no Brasil, por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina – Veja AQUI o post.
Cordyceps é na verdade um gênero com mais de 260 espécies de fungos, das quais a maioria é capaz de infectar insetos (somente insetos, fique tranquilo). O mecanismo de infecção foi representado de forma interessante em The Last of Us, mas na vida real, uma espécie deste famoso gênero, o Cordyceps militaris, é estudada não por causar pandemias, mas por seus potenciais benefícios à saúde. O C. militaris é um fungo encontrado no hemisfério norte, e é utilizado há milênios na medicina tradicional chinesa. Seus compostos bioativos, amplamente estudados pela ciência moderna, demonstram efeitos farmacológicos significativos — incluindo ação antioxidante, modulação do sistema imunológico e mecanismos antitumorais¹,².
Em um estudo recente, publicado na Nature Reports, cientistas descobriram que o uso oral de cordicepina, o principal composto encontrado no fungo C. militaris, foi capaz de diminuir a fadiga causada por exercícios físicos. Os pesquisadores demonstraram que após o uso do composto houve aumento na disponibilidade de glicogênio nos músculos e no fígado, podendo contribuir para uma melhor performance física. Além disso, houve diminuição nos níveis de ácido lático, o que pode auxiliar em uma recuperação mais eficaz após exercícios físicos excessivos. Estes efeitos mostram que a cordicepina é capaz de agir sobre o metabolismo energético celular, diminuindo o estresse oxidativo e os níveis de metabólitos relacionados à fadiga.
Mas as descobertas sobre a cordicepina não param por aí. Este estudo também viu que, após baterias de exercícios físicos intensos, a cognição e memória dos camundongos diminuiu em até 40%. No entanto, nos grupos em que houve administração de cordicepina houve um efeito protetor sobre a função cerebral, agindo em mecanismos antioxidantes no órgão e aliviando os déficits de memória e aprendizado causados pelo excesso de exercícios físicos.
Além dos resultados inéditos, este estudo reforça alguns pontos que já haviam sido demonstrados anteriormente na literatura científica (sua ação antioxidante), além de validar cientificamente algumas das aplicações terapêuticas do C. militaris pela medicina tradicional chinesa. Atualmente a cordicepina é comercializada como um fitoterápico, mas é importante ressaltar que os dados existentes sobre seus efeitos foram obtidos somente em animais, não sendo possível a indicação de dose para o consumo humano. Além disso, o presente estudo foi conduzido somente em camundongos machos, o que deve ser levado em consideração já que fêmeas possuem um desempenho físico diferente.
Precisamos aguardar as cenas dos próximos capítulos para que a eficácia na administração de cordicepina em humanos seja garantida, mas podemos ver que C. militaris promete ser um aliado interessante em diversas áreas da saúde. E agora você sabe: mesmo que um dia tome o extrato de um fungo parasita, pode confiar – você não vai sair soltando esporos por aí!
Para saber mais:
– Artigo principal: Cheng C, Zhang S, Chen C, et al. Cordycepin combined with antioxidant effects improves fatigue caused by excessive exercise. Scientific Reports. 2025;15:8141.
–Post sobre Cordyceps em Santa Catarina: https://cientistasdescobriramque.com/2013/11/27/fungos-que-transformam-formigas-em-zumbis-sao-encontrados-no-sul-do-brasil/
Cientistas descobriram que... "CDQ" 