Enfim, encontramos um Highlander

Enfim, encontramos um Highlander

Por Giordano Wosgrau Calloni – Departamento de Biologia Celular, Embriologia e GenéticaUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Na década de 1980, um filme que contava a história de um guerreiro imortal fez um tremendo sucesso. Acredito que os leitores cinéfilos e outros, talvez nem tão cinéfilos, mas “coroas o suficiente”, já o identificaram na primeira frase e sussurraram consigo mesmos: “Highlander”. Basicamente, o filme conta a história de Connor MacLeod (interpretado pelo ator francês Christopher Lambert), um guerreiro imortal, que se torna uma espécie de discípulo de Juan Ramirez (interpretado pelo grande astro Sean Connery). Ramirez ensina MacLeod como se defender de outros imortais, para que não seja decepado, pois ao último imortal um prêmio estaria reservado. O filme contava com a magnífica paisagem das Highland escocesas e com a eletrizante trilha sonora de Queen. Quem não vai lembrar da maravilhosa “Who Wants to Live Forever”, que foi escrita pelo guitarrista Brian May após ter assistido a uma versão inacabada do filme.

Pois bem caro leitor, acredite ou não, Cientistas descobriram que: seres vivos isolados do gelo da Sibéria, parecem ter permanecido vivos por mais de 100.000 anos, com base na análise de seu DNA. 

Foto por Mikhail Nilov em Pexels.com

Mas como são esses seres vivos afinal? Esses seres são microscópicos e muito parecidos com bactérias, ou seja, sequer são visíveis a olho nu. Entretanto, apesar de serem muito parecidos com uma bactéria, eles pertencem a outro domínio da vida, as chamadas archeas (ou arqueas). Inclusive, por um longo tempo se achou que eram sim bactérias, sendo chamadas de arqueobactérias, mas com uma particularidade: eram extremófilas, ou seja, amigas de ambientes extremos. Já se encontrou estes seres vivendo em temperaturas acima da ebulição da água (100°C), em salinas, e, inclusive, no permafrost, uma mistura congelada de solo, rochas, gelo e matéria orgânica. 

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Os presentes do mar: o que as orcas andam aprontando agora? Cooperação, altruísmo, partilha ou simples curiosidade?

Por Paulo César Simões-Lopes – Departamento de Ecologia e Zoologia – UFSC – Lab. Mamíferos Aquáticos (LAMAQ)

Você já jogou sementes para um esquilo num parque qualquer? Ou pelo menos bolachinhas para as carpas num lago artificial? Para muitas pessoas dar milho aos pombos é um passatempo e um devaneio, não importando em qual medida. Mas o que estaria acontecendo com as orcas? 

Na Argentina e na Nova Zelândia, no Alasca, na Noruega ou no México, orcas de populações completamente distintas têm assombrado o mundo em interações curiosas onde trazem suas presas ou outros objetos e os oferecem aos humanos como se fossem “presentes” (veja aqui o estudo). Trazem águas-vivas, estrelas do mar, retalhos de algas, raias e peixes de muitos tipos, aves marinhas, tartarugas e até pedaços de lobos-marinhos, focas, golfinhos ou lontras como se fossem petiscos irresistíveis. (Pedaços, vejam que maravilha.)

Oferecem esses itens aos humanos aparvalhados, estejam eles embarcados, nadando ou mesmo em terra. E os Cientistas Descobriram Que humanos embarcados ou nadando eram mais interessantes para as orcas. E assim foram acumulando cerca de vinte anos de observações fortuitas, mas muito esclarecedoras. Os Cientistas tambémDescobriram Que orcas de ambos os sexos e todas as idades, inclusive juvenis e filhotes, participam dessa estranha “partilha”. Em praticamente todos os casos, elas esperaram uma reação dos humanos como se os testassem. Às vezes, fazem mais de uma tentativa, quando não são correspondidas de imediato.

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Um metal usado para produção de baterias poderia ser a cura do Alzheimer?

Um metal usado para produção de baterias poderia ser a cura do Alzheimer?

Por Daniel Fernandes e Gabrielle Delfrate – Departamento de Farmacologia UFSC

Se você já assistiu ao filme “Para Sempre Alice”, que rendeu à atriz Julianne Moore o Oscar de Melhor Atriz, pode lembrar da história da professora Alice, diagnosticada com Alzheimer aos 50 anos de idade. Esse filme retrata com sensibilidade a vivência de uma pessoa que descobre a doença. Aos poucos, ela começa a se perder em situações do dia a dia e, eventualmente, até nas ruas da cidade. O filme mostra de forma intensa a angústia vivida por pessoas com a doença de Alzheimer, que é caracterizada pela perda das funções cerebrais, o que afeta principalmente a memória, linguagem, raciocínio e capacidade de realizar tarefas diárias. Essa condição afeta cerca de 55 milhões de pessoas no mundo. 

Mesmo após mais de um século desde que foi identificada, a doença de Alzheimer ainda guarda segredos. Muitas das alterações que ocorrem em nossas células (mecanismos moleculares) ainda são pouco compreendidas. Atualmente, os tratamentos para a doença são focados em retardar a progressão da doença e gerenciar os sintomas, a fim de melhorar a qualidade de vida do paciente. Contudo, ainda não há um único tratamento eficaz capaz de reverter os danos causados na função cerebral. Porém, uma nova descoberta pode começar a mudar este cenário! Recentemente, Cientistas descobriram que baixos níveis de lítio podem contribuir para declínio cognitivo, tanto em roedores quanto em humanos.

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Espessura do cemento: seria este um novo parâmetro para predizer a idade do indivíduo na ciência forense?

Por Michelle Tillmann Biz – Departamento de Ciências Morfológicas – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

O cemento é um dos tecidos que compõem o dente, cobrindo a superfície externa da raiz dental. É composto de tecido mineralizado que possui pouca remodelação, mas que apresenta uma deposição contínua em camadas, formando linhas intercaladas que demarcam a deposição do cemento ao longo da vida do indivíduo. Sendo assim, poder-se-ia pensar em utilizar este parâmetro de deposição de cemento como padrão para a previsão da idade de um indivíduo, informação esta que poderia compor os dados de análise na ciência forense (ciência que investiga dados de determinado indivíduo a partir de amostras deste, como partes do corpo, neste caso, o dente, buscando identificá-lo). 

Historicamente, o método de avaliar as camadas intermitentes de cemento depositadas é utilizado por cientistas para mamíferos terrestres e aquáticos. Para isso é necessária uma análise histológica do dente em questão, de forma padronizada para ser avaliado em microscópio.  Com ajuda do microscópio, imagens em maior aumento são obtidas de tal forma que a espessura de cemento pode ser analisada. Esta análise é feita desde a margem de junção com a dentina (tecido mais interno da raiz do dente) até a superfície externa do dente. Na sequência, os valores são inseridos em uma equação de regressão linear que permite a estimativa da idade. 

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Papais, a sua saúde também é uma herança!

Prof. Dr. Geison Souza Izídio, Universidade Federal de Santa Catarina – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Ao longo da história, os seres humanos se reproduziram sem muito planejamento. Nos tempos modernos, isso felizmente vem mudando. É cada vez mais comum ver casais se organizando financeiramente, ou psicologicamente, para se preparar para a chegada de um filho(a). Também, diversos avanços na assistência e cuidados de saúde das mamães, especialmente durante a gravidez, já são observados. 

Mas algo me chama muito a atenção, quando estou em contato com amigos, ou com a sociedade em geral. Poucos parecem entender que os papais também deveriam se preparar fisiologicamente para ter filhos. Sim, o corpo do homem, a sua saúde e até seus hábitos de vida antes da concepção têm um papel fundamental na saúde da criança. E não só dela, provavelmente dos netos também!

Um artigo publicado na prestigiada revista Nature Reviews Urology, em 2023, traz evidências científicas que o estilo de vida do homem pode modificar profundamente o seu esperma, e essas mudanças têm consequências reais para as futuras gerações. Isso aconteceria por meio de uma “marcação química” chamada de metilação do DNA, que “liga” ou “desliga” genes. Quando esse sistema de controle sofre interferência, ele pode aumentar o risco de o bebê desenvolver doenças como câncer, diabetes, transtornos neurológicos e muito mais.

Por exemplo, estresse alto, obesidade, consumo de álcool, fumo de cigarro ou maconha, alimentação com ultraprocessados, poluição, e substâncias químicas presentes em agrotóxicos, plásticos e produtos de limpeza são exemplos de fatores que podem prejudicar os espermatozoides afetando negativamente o desenvolvimento dos embriões (futuros filhos).

Foto por Nadezhda Moryak em Pexels.com

Essas descobertas não só explicam problemas de saúde herdáveis, que antes pareciam “sem causa”, como também abrem portas para diagnósticos e prevenção, pois o papel potencialmente prejudicial dos pais nestes problemas de saúde é bastante subestimado, até o momento, pelos cientistas que estudam epigenética. Entretanto é preciso lembrar que os espermatozoides são produzidos continuamente durante a vida adulta, e então eles podem refletir exposições ambientais acumuladas no homem. Por esta razão, a metilação do DNA do esperma poderá virar, futuramente, um biomarcador de infertilidade, ou de risco para a saúde dos filhos.

Ou seja, o que o pai vive, consome e sente antes da gravidez importa, e muito. Futuros papais, cuidar da sua saúde não é somente autocuidado é um ato de amor e de compromisso intergeracional. Porque a herança de vida que vocês deixarão no planeta pode começar antes mesmo de uma criança existir.

Para saber mais:

Katherine W. Greeson, Krista M. S. Crow, R. Clayton Edenfield & Charles A. Easley IV. Inheritance of paternal lifestyles and exposures through sperm DNA methylation. Nature Reviews Urology, volume 20, pages 356–370 (2023).

Do Laboratório ao Berço: a Corrida Pela Primeira Terapia CRISPR Personalizada

Por Heiliane de Brito Fontana

A edição genética baseada na tecnologia CRISPR vem protagonizando uma revolução silenciosa na medicina. Desde que foi apresentada ao mundo em 2012, essa ferramenta de “tesoura genética” tem permitido intervenções cada vez mais precisas no DNA e já foi abordada aqui no CDQ em publicações prévias (como em 2015, no artigo “Mais um passo em frente na cura de doenças por terapia gênica: o sistema CRISPR”). Em 2020, as cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna receberam o Prêmio Nobel de Química por desenvolverem o método de edição CRISPR-Cas9 — uma consagração do potencial transformador da técnica.

Cientistas descobriram que o CRISPR poderia ser usado não apenas para estudar genes, mas para corrigi-los — letra por letra — abrindo caminho para o tratamento de doenças antes consideradas intratáveis. Desde então, uma nova geração de terapias genéticas vem sendo testada, especialmente para doenças com alta prevalência, como anemia falciforme e β-talassemia, onde uma única edição pode beneficiar muitos pacientes.

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Como cientistas multiplicam células musculares para regenerar músculos

Por Marco Augusto Stimamiglio – Instituto Carlos Chagas, Fiocruz Curitiba – Paraná

Imagine se fosse possível transformar células adultas do músculo em células progenitoras capazes de reconstruí-lo. Cientistas da Universidade de Harvard desenvolveram uma técnica inovadora que pode revolucionar o tratamento de lesões musculares e doenças degenerativas, como a distrofia muscular. Eles conseguiram reverter células musculares adultas de camundongos a um estado semelhante ao de células-tronco, capazes de regenerar completamente o tecido muscular danificado.

Foto por Andrea Piacquadio em Pexels.com

A verdade é que o músculo esquelético possui uma notável capacidade de regeneração, atribuída às células satélites (um tipo especial de célula-tronco residente nos músculos). Essas células permanecem em estado “adormecido” até que uma lesão ocorra, momento em que se ativam para reparar o tecido danificado. No entanto, quando isoladas e cultivadas em laboratório, essas células tendem a perder sua capacidade regenerativa, diferenciando-se rapidamente em células musculares comprometidas, conhecidas como mioblastos. Essa limitação tem sido um obstáculo significativo para terapias eficazes.

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