Por Paula Borges Monteiro Grupo de Estudos em Tópicos de Física – IFSC
Provavelmente você já deve ter ouvido a palavra emaranhamento ou entrelaçamento e talvez até relacione-as com Física Quântica. É isso mesmo, o emaranhamento é um fenômeno observado na natureza que só pode ser explicado pela física quântica, não pela Física Clássica.
Para entender melhor, vamos imaginar uma máquina que produz balões de dois em dois. A máquina fictícia já entrega o par de balões cheios e amarrados. Cada um dos balões cheios é colocado dentro de uma caixa fechada. Uma caixa é enviada para uma pessoa do estado do Pará e a outra para uma pessoa o estado do Rio Grande do Sul. Se, ao abrir a caixa, o paraense encontra o balão ainda cheio, o gaúcho também encontrará o balão cheio ao abrir sua caixa. Se o paraense encontrar o balão vazio, o mesmo será observado pelo gaúcho. Em Física dizemos que a característica do par de balões produzidos por nossa máquina de se apresentarem cheios ou vazios exibe emaranhamento. O emaranhamento contraria duas suposições do que entendemos como Física Clássica: i) o balão no RS já está cheio ou vazio antes da caixa ser aberta, não dependendo do estado cheio ou vazio do balão ao se abrir a caixa no PA; ii) se alguma informação fosse enviada de um balão para o outro para garantir o resultado descrito, essa informação seria mais veloz que a luz. Estas suposições estão relacionadas com o que chamamos de localidade e realismo.
É claro que não encontraremos emaranhamento em balões, mas essa propriedade é exibida em sistemas bem menores, como elétrons de um átomo.
Para testar o realismo local, em outras palavras, demonstrar que certos fenômenos não podem ser explicados por leis clássicas da natureza, John Bell apresentou, em 1964, uma desigualdade matemática, conhecida como desigualdade de Bell. Uma desigualdade é uma relação de ordem entre dois elementos. Voltando ao exemplo do balão, poderíamos atribuir um valor a cada situação, 5 se o balão estiver cheio e 10 se o balão estiver vazio. Para que o fenômeno seja explicado classicamente, o resultado da medida do Paraense ora será igual à do gaúcho, ora será diferente, eliminando a hipótese de emaranhamento, ou seja, a possibilidade de uma ação à distância. O emaranhamento seria detectado se todos os resultados fossem iguais.
Após o trabalho de Bell, outras desigualdades foram propostas, como por exemplo a desigualdade CHSH (de J. Clauser, M. Horne, A. Shimony e R. Holt), que determina que o resultado da observação de um fenômeno, R, deve ser menor ou igual a 2, se o mundo real não necessita da física quântica para ser entendido. Vários testes experimentais envolvendo desigualdades como a de Bell já foram realizados, porém por limitações práticas, sempre foi possível encontrar uma lacuna na demonstração.
Em agosto desse ano, um grupo de 19 pesquisadores de diferentes universidades e institutos de ciências na Holanda, Espanha e Inglaterra apresentaram o trabalho que pode ser traduzido como “Violação da desigualdade de Bell sem lacunas, utilizando spins de elétrons emaranhados separados por 1,3 km”. O spin do elétron é a uma propriedade relacionada com a sua orientação no espaço. Spins de elétrons emaranhados significa que a medida da orientação de um vai interferir no resultado da orientação do outro. O trabalho citado apresenta um experimento com elétrons emaranhados e distantes entre si. A desigualdade de Bell testada foi a CHSH e após as realizações experimentais, encontraram R = 2,42 ± 0,20, ou seja, violaram a desigualdade R ≤ 2. O experimento foi realizado em laboratórios do campus da Delft University of Technology na Holanda.
Apesar da distância ser bem menor que aquela entre Pará e Rio Grande do Sul, os pesquisadores demostram que o realismo local realmente dá lugar à estranheza quântica. Podemos dizer que este é um importante resultado que aproxima a comunidade científica da implementação de um dispositivo de comunicação definitivamente seguro.
O trabalho foi divulgado pelo arXiv que é um arquivo eletrônico de artigos científicos que podem ser livremente acessados via internet. Trabalhos nas áreas da Física, Matemática, Ciência da Computação, Biologia e Estatística podem ser visualizados antes de serem publicados em um periódico.
Para acessar o artigo original, clique aqui
Paula Borges, esse tipo de resultado se assemelha a da brasileira Gabriela Lemos que fez a imagem do gatinho?
Olá Natassia, o trabalho da Gabriela também está baseado no emaranhamento quântico mas os objetivos dos dois trabalhos são diferentes. O trabalho descrito em nosso blog está relacionado com a demonstração experimental da desigualdade de Bell que assinala o emaranhamento. Já o trabalho da Gabriela, utiliza o emaranhamento para determinado fim. Obrigada por acompanhar nosso trabalho!
🙂
Ótimo post, seria bom acrescentar sobre a computação quântica e o fato dos números binários quânticos. Já ouviu falar?!
Continue com o conteúdo.