Células-tronco regeneram medula espinhal! Será que dessa vez é para valer?

Por Ricardo Castilho Garcez, Dpto. de Biologia Celular, Embriologia e Genética – UFSC

Fonte: Aidiscam

Depois de 30 anos de pesquisas, no início de 2018, um grupo de pesquisadores demonstrou que enxertos de células progenitoras neurais podem regenerar medulas lesionadas de macacos.

Para os leitores que acompanham as descobertas científicas na área de regeneração de lesões medulares, essa notícia pode não parecer novidade, afinal, há muito tempo notícias semelhantes são vinculadas na mídia! A revista americana Science, na qual a citada descoberta foi publicada, estaria divulgando notícias antigas como sendo novas? Será que até a prestigiada Science entrou na onda das fake news?

A resposta é não! Mas você entenderá o porquê dessa notícia parecer antiga.

Nosso Sistema Nervoso Central (SNC) é formado por neurônios e células gliais. Os neurônios se comunicam entre si através de longos prolongamentos, chamados axônios. A correta conexão entre esses axônios, formando circuitos diversos, é o que garante o funcionamento do nosso SNC. A medula espinhal, na sua maior parte, é formada por feixes de axônios que comunicam os neurônios do SNC ao restante do corpo. Além disso, a medula espinhal é composta por um grande número de circuitos neuronais menores, também formados por axônios. Ou seja, quando ocorre uma lesão da medula espinhal, alguns axônios são rompidos e, dependendo da intensidade e do nível da lesão, o indivíduo pode perder a capacidade de movimentação voluntária de membros e tronco (paraplegia ou tetraplegia). O problema é que, quando lesionada, a medula espinhal não regenera de forma funcional, deixando na região da lesão uma espécie de cicatriz formada por moléculas que inibem a regeneração dos axônios.

Para regenerar a medula espinhal a partir de enxertos de células-tronco e/ou progenitores (para saber a diferença, clique aqui), alguns desafios devem que ser superados. Primeiro, as células enxertadas devem sobreviver e se diferenciarem para neurônios; segundo, esses novos neurônios devem ser capazes de se conectar (sinapses) com os neurônios já existentes na medula espinhal; e, finalmente, as células-tronco enxertadas devem ser capazes de inibir, ou degradar, as moléculas inibitórias produzidas, normalmente, durante a regeneração da medula. A obtenção de um protocolo médico para regeneração de medula espinhal é uma longa escada que vem sendo subida degrau por degrau nos últimos anos. Cada um desses degraus representa descobertas científicas importantes e, normalmente, amplamente divulgadas pela mídia. A grande maioria dessas descobertas foi feita a partir de experimentos com cobaias murinas (ratos, comundongos e hamsters). Tais experimentos permitiram grandes avanços, mas ainda não chegamos aos últimos degraus da escada, pois o SNC humano apresenta diferenças marcantes em relação ao SNC de murinos.

É aqui que a pesquisa liderada pelo Dr. Mark H Tuszynski entra. No início de 2018, o Dr. Tuszynski e colegas, utilizando células-tronco humanas, conseguiram níveis de regeneração da medula espinhal de macacos nunca antes observados. O grande diferencial desse trabalho foi o método e o modelo utilizado. Os autores citam que técnica bem semelhante já havia sido testada em camundongos, no entanto, sem muito sucesso. Eles explicam, ainda, que isso ocorre devido às diferenças marcantes existentes entre os SNC de murinos e primatas. Eles demonstraram que as células-tronco implantadas formaram novos neurônios que estabelecem novos circuitos com neurônios já existentes. No entanto, eles observaram que esses novos circuitos neuronais não são idênticos aos existentes antes da lesão, mas que, em longo prazo, eles podem assumir as funções perdidas após a lesão (para saber mais sobre este fenômeno, chamado de plasticidade neuronal, clique aqui). Nos testes realizados nesse trabalho, foi observada recuperação parcial dos movimentos do braço, perdido após a lesão. Os autores ressaltam que essa melhora ocorre em longo prazo, pois os novos circuitos formados levam certo tempo para assumir essas funções perdidas.

Os autores citam que, como as células utilizadas são humanas e o procedimento cirúrgico realizado em macacos seria praticamente idêntico ao humano, o próximo passo seria a aplicação da técnica nos próprios humanos. No entanto, é importante lembrarmos que essa é uma técnica que funcionaria para pacientes que acabaram de sofrer uma lesão medular. Pacientes com lesões antigas, provavelmente não teriam resultados tão positivos, pois quanto maior o tempo entre a lesão e a terapia proposta, menor a capacidade das células enxertadas reverterem a cicatriz e formarem novos circuitos neuronais.

Com isso em mente, saiba, caro leitor, que você provavelmente ainda verá novos anúncios de descobertas científicas que prometem tratar lesões de medula espinhal. Esses anúncios são sinais de que estamos subindo mais degraus na longa busca pela regeneração da medula espinhal!

Para acessar o artigo original, clique aqui.

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