Por Rita Zilhão, Faculdade de Ciências de Lisboa, Portugal
As metástases resultam da disseminação de células tumorais a partir de um tumor primário e à sua posterior colonização e crescimento noutro órgão ou tecido do organismo. A formação de metástases é responsável pela maioria das mortes relacionadas com o cancro (câncer, em português brasileiro). Os mecanismos moleculares subjacentes à formação de metástases têm sido alvo de intenso estudo desde há muito. As razões clínicas para essa dedicação são óbvias: quanto maior for esse conhecimento mais eficientes serão as estratégias e o desenvolvimento de drogas que visem o bloqueio ou redução do processo de metastização.
Um dos modelos biológicos que se pensa poder mediar a disseminação metastática é o do fenômeno conhecido como “transição epitélio-mesênquima” (EMT – epithelial-to-mesenchymal transition). Convém referir que, pela sua natureza e características, esse programa biológico está envolvido no desenvolvimento embrionário e na cicatrização de feridas (wound healing). Nas duas últimas décadas, verificou-se que, embora com algumas variantes, o EMT também está na origem da formação de metástases de cancros do pulmão, pâncreas, ovário etc.., ou seja, essencialmente carcinomas, que são cancros com origem em epitélios*. Mais uma vez o cancro se revela como um “fora-da-lei”, sequestrando os mecanismos normais da célula e manipulando-os para seu próprio uso fruto!
De uma forma muito genérica, durante esse o processo de EMT, a célula epitelial sofre alteração de algumas das características morfológicas que lhe permitem estar associada às outras células do tecido, como, por exemplo, a perda de moléculas de adesão membranar, adquirindo simultaneamente a capacidade de atravessar a membrana basal e produzir uma matriz migratória que lhe confere uma morfologia de uma célula móvel, tipo fibroblasto** (mesenquimal). Essas e outras modificações permitem a desagregação do tumor primário (delaminação), seguindo-se a entrada, e sobrevivência, das células nos vasos sanguíneos e linfáticos (intravasação). Esse processo de progressão tumoral da célula maligna termina com a sua saída de circulação (extravasação) e a colonização de tecidos ou órgãos secundários.
As alterações morfológicas, decorrentes desse programa, ocorrem devido a grandes alterações na expressão gênica da célula. Essa é controlada a vários níveis, nomeadamente a nível transcricional***, em que nas células tumorais há repressão da transcrição de genes epiteliais e, por outro lado indução da expressão de genes mesenquimais. Contudo, tem-se verificado, em estudos com linhas celulares tumorais (in vitro), que o EMT existe abrangendo um largo espectro de estados fenotípicos, em que a mesma célula tumoral retém ambos os programas epitelial e mesenquimal. Esses fenótipos são referidos como EMT parcial (P-EMT) por oposição a um EMT completo (C-EMT). A definição molecular e extensão de cada estado de P-EMT ainda não são claros; não se sabe se cada estado híbrido significa uma fase intermédia durante o processo de transição para mesênquima ou se já representa um estado terminal. Da mesma forma, não está bem definido se os mesmos mecanismos de repressão transcricional que operam num C-EMT, também operam num P-EMT.
Análises de células individuais (single-cell analysis) em tumores da cabeça e pescoço indicaram a existência de um P-EMT, que por sua vez estava correlacionado com o aumento de potencial metastático. Apesar deste diferir em alguns aspectos dos programas EMT definidos in vitro, essas e outras observações conduziram à sugestão de que um estado híbrido poderá conferir uma maior capacidade de metastização do que um estado completamente mesenquimal.
Assim, procedendo a estudos em modelos vivos (in vivo) de ratinho, um dos aspectos que curiosamente, os Cientistas Descobriram, é que em tumores PDAC (pancreatic ductal adenocarcinoma) não ocorria a co-existência dos dois programas (C-EMT e P-EMT) no mesmo tumor. Isto sugeriu que poderia haver uma tendência para usar um programa C- ou P-EMT no processo de transição para mesênquima sendo uma característica específica e estável de cada tumor individualmente. Em outras palavras, diferentes tumores poderão utilizar diferentes programas de plasticidade. Os tumores que utilizam um ou outro desses programas são fenotipicamente distintos quer a nível histológico quer a nível transcricional e, sobretudo de um modo que se correlaciona com os maiores subtipos de PDAC humanos. Essas descobertas sugerem que os mecanismos que governam o EMT in vivo podem ser diferentes dos programas transcricionais classicamente descritos in vitro e acima de tudo indicam uma relação entre os programas gerais de transcrição que definem um determinado subtipo tumoral e os mecanismos celulares que conferem plasticidade epitelial e capacidade de invasão tumoral.
* Epitélio – fina camada de células que reveste, interna ou externamente a maioria dos órgãos, superfícies do corpo, glândulas e vasos linfáticos ou sanguíneos.
** Fibroblasto – um dos tipos de células existente no tecido conjuntivo, que por sua vez é um tecido de conexão entre os órgãos.
*** Transcrição – conversão da informação contida no DNA em RNA.
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