Por Paulo César Simões-Lopes – Dpto de Ecologia e Zoologia – UFSC
Estamos no México, num mar de azul sem igual. A beira do deserto de Sonora, no grande Golfo da Baja Califórnia, se desenrola um thriller sufocante, um filme de suspense, um drama policial. A cada ano são menores as chances de salvá-la. Tudo o que fazemos parece dar em nada. E, por trás deste drama, existe corrupção, dinheiro dentro de envelopes, comércio ilegal, traficantes, assassinatos, ganância.

Neste cenário de suspense, há uma iguaria, para lá de estranha, e que ganha notoriedade a cada ano que passa: a bexiga natatória de um peixe scienídeo, conhecido localmente como totoaba (Totoaba macdonaldi).
Trata-se apenas de um órgão de flutuação dos peixes ósseos e que permite que eles regulem a profundidade desejada, mas os chineses a consideram uma iguaria e com ela preparam uma sopa especial. Dizem que a tal sopa tem valor medicinal protegendo contra os males do fígado e da artrite, o que se mostrou falso1.
O outro personagem dessa história é a frágil ‘vaquita’ (ou ‘cochito’) que dá seus últimos suspiros no planeta… Ela é um pequeno golfinho de olhos escuros e pele brilhante, hoje, possivelmente, a espécie mais ameaçada do mundo (Phocoena sinus).

A vaquita lida mal com as redes de pesca para a totoaba. Simplesmente fica paralisada ao enredar-se nelas, vítima de um estresse agudo. Embora tenha um sistema de biossonar, ela não consegue compreender a armadilha que se apresenta à sua frente e queda aprisionada (o chamado bycatch).
A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), lista a vaquita como Criticamente Ameaçada (CR), considerando diferentes critérios2. E os Cientistas Descobriram Que em 1997 havia cerca de 567 indivíduos apenas, mas esse número vem despencando de forma alarmante. Onze anos depois esse número havia caído pela metade (em 2008 cerca de 245 indivíduos). Passados mais sete anos (2015), menos de 60 animais restavam no planeta, enfim, a espiral da extinção estava engolindo as vaquitas. Em 2017, apenas 30 e, em 2019, os últimos 10!3 Evidentemente, não apenas a mortalidade acidental em redes de pesca as está matando, mas também o que se costuma chamar de “depressão endogâmica ou depressão por consanguinidade”4 e este é um fator adicional a catástrofe vindoura.
Em verdade, existe muito dinheiro envolvido na pesca da totoaba, algo como 100.000 dólares no mercado ilegal1. A despeito das tentativas de controle da pesca ilegal pelo governo mexicano, ela grassa a todo vapor, já que 80% da economia local está associada ao esforço pesqueiro. E onde há grandes somas em dinheiro, interesses escusos e políticas ambientais falidas, pululam organizações criminosas, corrupção e o decreto de morte de espécies e ecossistemas inteiros. Hoje, até a totoaba está ameaçada, o que demonstra a demolição completa da cascata trófica nesta região. O ecossistema inteiro está desmontando.
Assim também foi com o baiji, o golfinho chinês, extinto na natureza em 2007, ou com as toninhas sul-americanas (Pontoporia blainvillei), sempre uma combinação de política ambiental medíocre, trapaças, ilegalidade e dinheiro escuso. Para as toninhas ou a vaquita não faltam informações científicas, estimativas confiáveis ou conhecimento sobre as artes de pesca. Falta apenas vontade política. Falta vencermos a ‘desinteligência’ dos governos e sua miopia ambiental.
Cientistas e conservacionistas vêm tentando de tudo, até capturar vaquitas e procriá-las em cativeiro, mas elas são frágeis demais. Costumam não resistir à captura. Este é um dos muitos entraves para salvá-las. Enquanto isso, o mercado criminoso crava suas garras bem fundo e a bexiga natatória da totoaba vai parar na sopa. Bem-vindos a política ambiental do terceiro mundo! Aquela política que vira as costas para a realidade e desfaz dos alertas da Ciência e dos conservacionistas. Enquanto isso, prevalecem os jogos de palavras, as trapaças cotidianas e até os canos fumegantes, pois onde há dinheiro ilegal, há corrupção e corruptores e também tráfico, morte e descaso. Há o descaso pela vaquita, o descaso pela Ciência e o descaso pelos alertas – como diz o famoso livro “Normose: a patologia da normalidade”5.
Para saber mais acesse:
- World’s most endangered marine mammal down to 30 individuals
- Phocoena sinus. The IUCN Red. List of Threatened Species 2022
- Mexico’s final death blow to the vaquita
- The critically endangered vaquita is not doomed to extinction by inbreeding depression
- Normose: A patologia da normalidade. Editora Vozes.