Bactérias ancestrais vítimas de um vírus moderno?

Bactérias ancestrais vítimas de um vírus moderno?

Por Giordano W. Calloni – Departamento de Biologia Celular – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Os leitores fiéis do CDQ e já familiarizados com meus textos, devem ter percebido uma certa obsessão de minha parte por uma organela onipresente em nossas células: a mitocôndria. Ver também texto de 2016.

Mitocôndria

Para que os leitores possam acompanhar o presente texto, irei relembrar rapidamente a Teoria Endossimbiótica. Essa teoria afirma que as mitocôndrias atuais se originaram a partir de bactérias ancestrais. O mecanismo exato pelo qual isso ocorreu ainda é fonte de muitas hipóteses e pesquisas, mas estima-se que ocorreu entre 1,6 e 1,8 bilhão de anos atrás. Uma dessas hipóteses propõe que as bactérias foram fagocitadas (ou seja, ingeridas) por outras células maiores. De alguma forma, essas bactérias escaparam de ser digeridas por essa célula ancestral e permaneceram em seu interior. Assim, se estabeleceu uma simbiose entre os dois seres, ou seja, a bactéria passou a fornecer energia para a célula que lhe hospedou, e em troca ganhou proteção e nutrientes da mesma. Milhares de anos de evolução transformaram essa bactéria nas atuais mitocôndrias, que são as grandes usinas de energia das células eucariontes, sob a forma de ATP. Vale mencionar que esta teoria também explicaria a origem dos cloroplastos de plantas e algumas algas.

A ideia de que algumas organelas em eucariotos evoluíram a partir de bactérias endossimbióticas remonta ao início do século XX. Em 1905, Konstantin Mereschkowsky sugeriu que os cloroplastos derivaram de “algas verde-azuladas” (hoje sabemos que são na verdade cianobactérias). Em 1927, Wallin propôs que as mitocôndrias derivaram de bactérias roxas (alfaproteobactérias). Entretanto, esta hipótese que parecia originada de um livro de ficção científica, permaneceu extremamente controversa, por razões óbvias: parecia ser louca demais para ser verdade! E o principal: faltavam evidências para poder comprová-la. 

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Os microrganismos da pele e os maus odores do corpo

Os microrganismos da pele e os maus odores do corpo

Por Ricardo Mazzon – Departamento de Microbiologia – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Certamente você já deve ter notado que algumas regiões dos nossos corpos podem produzir maus odores após um dia quente, de muito trabalho, exercício físico ou outra situação que gere sudorese intensa. Também é notável que nem todas as pessoas apresentam os mesmos odores nem as mesmas intensidades destes odores nas situações descritas acima, afinal, possivelmente você conheça alguém que relate não utilizar desodorantes nas axilas e, nem por isso, fiquem malcheirosas imediatamente após a prática de exercício físico. Também se sabe que as secreções das glândulas sudoríparas e sebáceas presentes nos folículos pilosos (que são compostas principalmente por água, sais, proteínas, lipídeos e esteroides) são inodoras o que, portanto, não explica os maus odores. Estas diferenças individuais em relação a produção de odores corpóreos há muito tempo intrigavam os pesquisadores e diversas hipóteses para tentar explicar essa variabilidade já foram elaboradas e testadas ao longo dos anos.

Especialmente nos últimos 10 anos, a ciência tem se debruçado no estudo das microbiotas, ou seja, identificação e entendimento do comportamento dos microrganismos que normalmente habitam as regiões dos nossos corpos em situações de saúde e doença. Esses estudos demonstram que diversas partes dos nossos corpos são normalmente e constantemente colonizados por conjuntos de microrganismos que variam de uma região a outra do corpo, que podem variar de pessoa para pessoa e ao longo de nossas vidas em termos de diversidade e abundância relativa entre as espécies presentes. Além disso, as variações de hábitos de higiene e alimentares também podem interferir nessas diversidades. A pergunta que surgiu com o acúmulo de dados e informações sobre as microbiotas foi, naturalmente, qual seria o papel destes microrganismos na produção de maus odores, em especial aqueles surgidos nas axilas e nos pés. 

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