Por Bruno Costa da Silva – Champalimaud Centre for the Unknown/Lisboa – Portugal
Linhas de investigação que buscam novos tratamentos para pacientes com câncer, em sua enorme maioria, focam em entender como pessoas inicialmente saudáveis podem, em algum momento de suas vidas, desenvolver doenças oncológicas. Apesar de muito bem-sucedida, essa abordagem peca por desconsiderar o fato de que (ainda bem) a maior parte das pessoas não desenvolve câncer durante o seu período de vida. Dessa forma, dependendo do ângulo que se olhe para o problema, pode-se considerar que, como espécie, os humanos são, em sua maioria, resistentes ao desenvolvimento de cânceres. Com isso em mente, ao invés de perguntarmos “Por que algumas pessoas desenvolvem câncer” não seria o caso de perguntarmos “O que a maioria dos humanos tem de especial que os tornam imunes ao desenvolvimento de cânceres”
Seguindo essa perspectiva heterodoxa, alguns cientistas têm tentado entender a base celular e molecular da resistência a cânceres. Para isso, como em outros projetos de investigação oncológica aonde roedores são essenciais para entender a biologia do câncer, cientistas têm buscado desenvolver experimentos com roedores que permitam a compreensão da base biológica da resistência a tumores (ver texto sobre tema publicado anteriormente no CDQ clicando aqui). Durante esse processo, Cientistas Descobriram Que espécies exóticas de roedores, como a dos feinhos ratos-toupeira-pelados, não apenas apresentam uma longevidade quase dez vezes maior do que a de roedores costumeiramente utilizados na investigação oncológica, mas também parecem ser praticamente imunes ao desenvolvimento de tumores.
No estudo desses roedores, com azar na beleza e sorte na saúde, investigadores observaram que suas células costumam produzir uma versão diferente de ácido hialurônico, parecida com aquele utilizado em tratamentos antirrugas, chamada de ácido hialurônico de alta densidade (AHAD). Além reduzir o crescimento e espalhamento metastático de tumores, ao diminuir a ação de radicais livres nos tecidos de ratos-toupeira-pelados, esse AHAD foi também capaz de prevenir lesões em DNA e proteínas associadas com o desenvolvimento de tumores.
Já em um trabalho publicado em fevereiro de 2018 na revista americana PNAS, o grupo da investigadora Vera Gorbunova descobriu que as células de ratos-toupeira-pelados param de se multiplicar quando expostas a insultos pró-tumorigênicos. Mais detalhadamente, viu-se que as células desse roedor entram com maior facilidade em senescência, um estado em que células param de se dividir. Isso ocorreu especialmente em cenários aonde células desse animal foram expostas a manipulações pró-tumorigênicas, como irradiação gama e inserção de sequências genéticas associadas com o desenvolvimento de tumores. Além disso, viu-se que diversas células desse animal, como as presentes na pele, na cavidade nasofaríngea e nos folículos pilosos desenvolvem senescência de forma espontânea, sendo esse último exemplo uma possível causa da nudez do roedor. Levando em conta que a parada da multiplicação celular, como a que ocorre em casos de senescência, é um dos eventos mais desejados quando células tumorais estão presentes, uma das possíveis maneiras pelas quais ratos-toupeira-pelados são resistentes a tumores parece ser, ao menos em parte, por meio do desencadeamento exacerbado do processo de senescência. Cabe ressaltar que, por dificultar a eliminação de células velhas e menos funcionais, a senescência é um processo também associado com o envelhecimento. Visto que uma das características mais marcadas dos ratos-toupeira-pelados é a longevidade, cabe ainda aos investigadores entender como esse animal, que apesar de parecer o Deadpool do cinema e dos quadrinhos (com corpo enrugado e praticamente invencível), consegue ter o melhor dos dois aspectos do processo de senescência: eliminação de células disfuncionais combinada com bloqueio do crescimento de tumores.
Com o aprofundamento da compreensão da base molecular da resistência à formação de tumores é possível, mesmo que em termos ainda altamente teóricos, pensar em um dia desenvolvermos medicamentos inspirados nas estratégias naturalmente presentes em animais resistentes a tumores. Será também interessante identificar em detalhes os mecanismos naturalmente presentes na maioria de humanos resistentes a tumores e tentar os reproduzir em casos de desenvolvimento de cânceres. Além de representarem novas ferramentas para o tratamento de doentes oncológicos, por estarem naturalmente presentes no nosso organismo, estas moléculas podem, em tese, resultar em terapias antitumorais livres de efeitos colaterais.
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