Por Virginia Meneghini Lazzari – Dpto. de Biologia Celular Embriologia e Genética, UFSC
A tecnologia de edição do DNA vem sendo utilizada para desenvolver cura e tratamentos para doenças, criar testes de diagnósticos, produzir variedades agrícolas resistentes às mudanças climáticas, entre outros. Os estudos de edição gênica são conduzidos principalmente em linhagens celulares ou em modelos animais. No entanto, este cenário vem mudando desde 2015. Cientistas descobriram que é possível editar o DNA de embriões humanos, causando debates na comunidade científica sobre os limites éticos implicados nesse novo passo da ciência. As discussões sobre o assunto tentam responder perguntas como: A técnica de edição gênica é segura para ser aplicada em embriões humanos? Quais seriam as consequências da criação de indivíduos “transgênicos” para as futuras gerações? Será que existe a real necessidade de editar o DNA de embriões ou existem alternativas mais seguras? Caso a edição gênica de embriões passe a ser utilizada, quais seriam os responsáveis pela supervisão ética da aplicação da técnica?
A edição do DNA utiliza a técnica CRISPR-Cas9 (que rendeu o prêmio Nobel de Química de 2020 às duas cientistas desenvolvedoras da técnica, Emmanuelle Charpentier à esquerda, e Jenifer A. Doudna, à direita. Fonte da imagem: CNN Brasil), que permite que os cientistas façam alterações genéticas com relativa facilidade.

A enzima Cas9 corta o DNA em um local indicado por uma molécula guia. O DNA é editado no local que foi cortado pela enzima e, em seguida, a maquinaria das células passa a gerar proteínas a partir dessa sequência modificada (para saber mais acesse texto publicado no CDQ). A CRISPR-Cas9 passou a ser utilizada em embriões humanos a partir de 2015, quando um grupo de cientistas chineses editou embriões humanos triploides. Embriões triploides são incompatíveis com a vida, pois apresentam três cópias de cada cromossomo e, portanto, são comumente descartados nas clínicas de reprodução assistida. Esse primeiro estudo na área demonstrou dois problemas: a edição gênica gerava embriões com mutações em regiões diferentes da região alvo e ocasionava mosaicismo nos embriões (diferentes células do embrião apresentavam diferentes sequências genéticas).
Em seguida, outros dois estudos, também com embriões triploides, foram conduzidos em 2016 e 2017, apresentando embriões com mutações somente no local escolhido, porém ainda apresentando mosaicismos em seus resultados. Em 2017, cientistas dos Estados Unidos usaram a CRISPR-Cas9 para corrigir uma mutação causadora de doenças, o grupo criou 58 embriões humanos fertilizados com espermatozoides com uma mutação chamada MYBPC3 e logo em seguida editados com a técnica CRISPR-Cas9. Os resultados foram promissores, os pesquisadores não encontraram evidências de mudanças genéticas fora do alvo e geraram apenas um único mosaico em um experimento envolvendo 58 embriões. Em comparação, quando a maquinaria de edição gênica CRISPR-Cas9 foi injetada 18 horas após a fertilização, 24% embriões tratados eram mosaicos.

Alguns países consideram ilegal a criação de embriões humanos para fins de pesquisa. Nestes casos, os embriões utilizados devem ser embriões excedentes de clínicas de fertilização in vitro, que normalmente encontram-se em estágios mais avançados de desenvolvimento.
Com esses embriões, não é possível conduzir a edição gênica em um período próximo da fertilização, colocando o tipo de estudo em que a maquinaria CRISPR-Cas9 é introduzida ao mesmo tempo em que o espermatozoide, fora do alcance. De qualquer forma, essas pesquisas são importantes para testar a segurança da técnica antes que ela seja aplicada na prática clínica.
Atualmente, a aplicabilidade da edição gênica de embriões humanos encontra três esferas de preocupação: a primeira é a segurança de uma técnica que ainda está imatura, mas que apresenta perspectiva promissora de aplicação; a segunda é a definição de quais são as situações razoáveis para gerar um bebê geneticamente modificado frente às outras opções oferecidas pela ciência atual; a terceira é sobre quais são os limites éticos da edição gênica e quem são os responsáveis por definir esses limites. Neste contexto, foi anunciado na China, em 25 de novembro de 2018, o nascimento de gêmeas modificadas geneticamente. Os embriões tiveram seu DNA modificado para que pudessem resistir ao vírus HIV presente no sêmen do pai, apesar de existirem atualmente formas seguras de evitar a transmissão do HIV de pais para filhos sem a necessidade da edição gênica. As pesquisas foram conduzidas sem aprovação ética e o pesquisador envolvido no caso foi condenado a três anos de prisão. Agora nos resta observar se essa técnica tão promissora quanto imatura irá causar algum efeito colateral nas meninas e torcer para que a edição gênica de embriões humanos seja utilizada com cautela e ética daqui para frente.
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