Por Hélia Neves Prof. da Faculdade de Medicina de Lisboa – Portugal
Sabe qual é o órgão no nosso corpo que perde 30.000 células/min e é responsável por grande parte do pó que produzimos lá em casa? É também o nosso maior órgão, que corresponde a 15% do nosso peso total e ocupa uma área de aproximadamente 2m2. Já adivinhou? Se disse a pele, acertou!
A pele é o órgão que reveste o nosso corpo protegendo-nos do exterior e literalmente impede-nos de evaporar! Isto porque a pele cria um escudo de isolamento à prova de água, protegendo o organismo de temperaturas extremas, da luz solar e de substâncias químicas nocivas. A pele também liberta substâncias antibacterianas que impedem infecções e com a ajuda dos raios UV-B, também produz a vitamina D, importante para o mecanismo de absorção do cálcio nos ossos. Adicionalmente, a pele é enriquecida em milhares de terminações nervosas que permitem que o nosso cérebro processe parte da informação do mundo exterior. Com todas estas características, a pele consegue ser ainda extremamente flexível, dando-nos liberdade de movimento para explorarmos o mundo à nossa volta.
A pele humana é composta por três camadas, sendo a mais externa a epiderme. Esta camada é um tecido epitelial composto por diversos tipos de células, sendo as mais abundantes os queratinócitos (que produzem queratina conferindo resistência e impermeabilidade à água). Os queratinócitos formam várias camadas que são renovadas constantemente, crescendo do interior para o exterior da epiderme. Estima-se que os queratinócitos recém-formados demorem cerca de cinco semanas para concluírem o seu caminho até à superfície da pele. Essa porção mais superficial é conhecida como o estrato córneo da epiderme, local onde os queratinócitos morrem e descamam. Na superfície do corpo, a epiderme tem uma espessura variável refletindo parte das especializações regionais da pele, sendo a planta do pé (1,4mm) o local onde esta é mais espessa e a pálpebra do olho onde é mais fina (com apenas 0,02mm).
“Cientistas descobriram que…” as células da epiderme normal da pálpebra de indivíduos adultos possuem milhares de mutações, que são tipicamente causadas pela exposição à luz solar. Descobriram também, que uma em cada quatro (25%) destas células, apresenta pelo menos uma mutação (alteração na sequência do DNA dum gene) em genes normalmente envolvidos no cancro (câncer).
Em Maio deste ano (2015), um trabalho desenvolvido pelas equipes de Peter Campbell do “Wellcome Trust Sanger Institute” e Phil Jones, da Universidade de Cambridge no Reino Unido, desafiou as fronteiras do conhecimento atual, sobre a sucessão de eventos que levam à transformação de uma célula normal em uma célula maligna. Para tal, os investigadores sabiamente aproveitaram amostras de pele normal da pálpebra do olho, que é removida cirurgicamente quando se encontra em excesso e dificulta a visão, para estudar as alterações genéticas das suas células. No estudo, foram utilizadas amostras de quatro indivíduos com idades compreendidas entre 55 e 73 anos, que posteriormente foram seccionadas no total de 234 pequenas biópsias. Usando uma nova técnica que permite ler com grande rigor e detectar alterações raras na sequência do DNA dos genes (“ultradeep sequencing”), os investigadores conseguiram quantificar o número de mutações presentes na pele clinicamente normal.
Os investigadores encontraram 3760 mutações/cm2 de pele, onde mais de 100 mutações eram em genes tipicamente associados ao cancro. É exemplo o gene mais frequentemente mutado nestas amostras, o gene NOTCH1, que em condições normais, está também envolvido na regulação das células estaminais (ou células tronco). Embora não tenham sido detectadas células malignas (isto é, células com capacidade de invadir e migrar para outras regiões do corpo), as mutações observadas nestas células obedeciam a padrões associados à forma mais comum e tratável de câncer da pele ligado à exposição solar, o carcinoma cutâneo de células escamosas. Esta doença raramente se manifesta antes dos 50 anos e é diagnosticada com maior frequência após os 70 anos de idade.
Com esse trabalho, os investigadores conseguiram também descrever a distribuição espacial das mutações acumuladas ao longo da pálpebra. Eles verificaram que conjuntos de células geograficamente próximas apresentavam o mesmo conjunto de mutações, indicando que estas células derivavam duma célula inicial comum. A este conjunto de células designa-se por clone. Os investigadores viram também, que os diferentes clones apresentavam diferentes dimensões. Por exemplo, os clones de maiores dimensões possuíam mutações do gene FGFR3, gene que é tipicamente encontrado em tumores benignos da pele denominados por queratose seborreica.
Esses investigadores mostraram, pela primeira vez, que genes associados ao cancro estão mutados na pele normal cronicamente exposta ao sol, e estimaram que cada célula da pele deverá acumular em média uma nova mutação/dia.
Por fim, e citando um dos autores do trabalho, P. Jones: “Parece que temos boas defesas contra estas mutações que levam ao câncer da pele e que a probabilidade de um desses clones se transformar num tumor é baixa. Então, a pergunta mais interessante que se coloca para estudos futuros é saber o que impede esses clones de evoluírem para o câncer… “.
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