Por Bruno Costa da Silva Pesquisador do Champalimaud Centre for the Unknown/Lisboa – Portugal
Há mais de 200 anos, o naturalista e médico inglês Edward Jenner apresentou a descoberta revolucionária de que a pré-exposição de seres humanos à um vírus (ou a partes desse vírus) pode torná-los mais resistentes a esse mesmo vírus. Desta descoberta, nascem as vacinas. Apesar dessa estratégia ainda não funcionar contra todos os microorganismos que causam doenças, incluindo algumas classes de agentes virais, estima-se que as vacinas tenham salvado centenas de milhões de vidas desde a sua invenção em 1796.
A vacinação, em conjunto com o surgimento dos antibióticos, das técnicas médicas e os avanços sanitários, levou à prevenção de milhões de mortes, aumentando nossa expectativa de vida. Acredita-se que a menor incidência de doenças infecciosas combinada com a maior exposição a componentes como o fumo e dietas altamente calóricas, abriu espaço para o aumento da incidência de doenças tumorais. Apesar dos avanços significativos no tratamento de pacientes com tumores, ainda há uma grande demanda por melhores estratégias de prevenção e tratamento de pacientes com tumores, visto as mais de 8 milhões de mortes por câncer apenas em 2012, segundo uma estimativa da Organização Mundial da Saúde.
Inspirados no conceito introduzido por Edward Jenner, pesquisadores têm explorado a possibilidade de desenvolver vacinas para a prevenção e tratamento de pacientes com tumores. Em alguns casos, a utilização de vacinas que permitem a prevenção de infecções associadas com o desenvolvimento de tumores, como o caso do papillomavirus em quadros de tumores de colo uterino, tem tido um sucesso bastante satisfatório. Na tentativa de avançar na exploração das potencialidades do uso de vacinas em pacientes com câncer, pesquisadores têm buscado desenvolver vacinas que possam “ensinar” o corpo a identificar e eliminar células tumorais. Apesar deste conceito ser elegante, células malignas, diferentemente de partículas virais, são de forma geral muito semelhantes às células saudáveis. Visto que as células do sistema imune do nosso corpo são programadas a poupar células do próprio organismo de uma eventual “auto-destruição”, estratégias envolvendo o uso de vacinas para a prevenção e tratamento de tumores têm se mostrado ainda pouco eficientes.
Buscando contornar essas limitações, cientistas descobriram que é possível “ensinar” células do sistema imune a reconhecerem e atacarem células tumorais sem a necessidade de procedimentos de grande complexidade. A pesquisa, liderada pelos cientistas alemães Özlem Türeci e Ugur Sahin, utilizou nano-cápsulas carregadas com material genético que codificam componentes tumorais para “treinar” células imunes a reconhecer células tumorais. O trabalho do grupo alemão, composto por 28 cientistas e publicado na revista inglesa Nature em primeiro de junho de 2016, utilizou-se do conhecimento de como as diferentes células do sistema imune montam respostas de defesa. As tais nano-cápsulas carregadas de material genético tumoral foram produzidas de forma a serem incorporadas principalmente por células do nosso sistema imune especializadas em reconhecer componentes estanhos em nosso corpo, chamadas de células dendríticas. Essas células atuam como uma espécie de “dedo-duro” profissional do sistema imune ao entregarem materiais de organismos estranhos a linfócitos T, um dos tipos de células do nosso sistema imunológico que ajudam a eliminar componentes estranhos, nesse caso as células tumorais.
Essa estratégia foi eficiente em testes pré-clínicos envolvendo roedores com melanoma e tumores de cólon, resultando tanto na diminuição dos tumores quanto no aumento da sobrevida dos animais. Já em humanos, essa estratégia foi testada em três pacientes com melanoma em estado avançado (já afetando outros órgãos). Nesses pacientes observou-se que as lesões tumorais desapareceram, ou pelo menos mantiveram-se estáveis. Apesar da necessidade de se testar a eficácia dessa estratégia em um número maior de pacientes, há um potencial grande a ser explorado. Esse tipo de vacina pode ser utilizada contra outros tumores, em estágios iniciais e avançados. Essa nova tecnologia pode representar, num futuro próximo, uma ferramenta importante no aprimoramento do tratamento de pacientes com câncer.
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