O “Homem do Gelo” e seus fungos: viajantes do tempo que contam histórias do passado

Por Elisandro Ricardo Drechsler-Santos – departamento de Botânica UFSC; Mateus Guterres Mendonça – graduando em Jornalismo pela UFSC

Imagine a cena: alpinistas encontram um corpo congelado a mais de 3.000 metros de altitude nos Alpes, entre a Itália e a Áustria, em 1991. Esse homenzinho, com pouco mais de 1 metro e meio de altura — mas com mais de 5 mil anos — foi apelidado de Ötzi, o Homem do Gelo. Desde sua descoberta, ele vem sendo estudado como uma verdadeira cápsula do tempo, oferecendo pistas sobre a dieta, as doenças e os costumes de nossos ancestrais.

Figura 1 – Momento da descoberta do Homem do Gelo. Fonte: Divulgação.

E os fungos? O que têm a ver com essa história?

Vamos começar a responder pelo que já era conhecido. Ötzi carregava consigo alguns fungos de forma intencional, pois eram úteis para sua sobrevivência. Entre os itens encontrados em sua bolsinha pessoal, estavam duas espécies de orelha-de-pau: Fomes fomentarius e Fomitopsis betulina. Acredita-se que Fomes fomentarius era usado para iniciar fogo, já que possui propriedades inflamáveis. Já Fomitopsis betulina provavelmente era utilizado por suas propriedades medicinais, conhecidas desde aquela época — como no combate a vermes e outros microrganismos indesejáveis. Como dito, isso não é nenhuma novidade atual, pois já era algo cogitado e bastante discutido já na descoberta de Ötzi. 

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Macacos me mordam!!! Mitocôndrias viajam entre células?

Por Giordano Wosgrau Calloni – Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Figura 1– Imagem gerada pela I.A. Gemini

Você já ouviu alguém dizer “macacos me mordam”? Essa expressão divertida ficou famosa no Brasil graças aos desenhos do Popeye, exibidos na TV nas décadas de 1980 e 1990, onde era usada como tradução da frase inglesa “Well, blow me down!” – algo como “Bem, me derrube!”. Muito mais criativo do que um simples “não acredito!”, “macacos me mordam” virou uma forma bem-humorada de mostrar surpresa diante de algo inesperado. E é justamente esse espanto curioso que sinto ao compartilhar com você uma das descobertas mais recentes e fascinantes da ciência sobre as minhas organelas favoritas: as mitocôndrias.

Já tive a oportunidade de explicar em outros artigos meus a origem das mitocôndrias¹. Mas para os recém-chegados ao Blog, um brevíssimo resumo da Teoria Endossimbiótica me parece necessário. Esta teoria explica que as mitocôndrias, organelas presentes em todas as células eucariontes e responsáveis pela maior parte da produção de energia, originaram-se de bactérias. Há cerca de 1,5-2,0 bilhões de anos essas bactérias foram englobadas por células maiores, mas, em vez de serem digeridas, estabeleceram uma relação de simbiose: as bactérias passaram a fornecer energia para a célula, recebendo proteção e nutrientes em troca. Com o tempo, essa parceria evoluiu, transformando essas bactérias nas mitocôndrias que conhecemos hoje, verdadeiras usinas, produzindo ATP, uma das principais fontes de energia celular. E um detalhe importante: estas organelas são, neste momento, completamente dependentes da célula, não são mais organismos próprios, de vida livre, independentes. Mas até que ponto?

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O potencial do microbioma do solo para uma agricultura sustentável

Por Patrícia Shigunov – Instituto Carlos Chagas – FIOCRUZ Paraná

O solo vai além de ser um mero suporte físico para as plantas: ele é o lar de um diversificado microbioma (conjunto de microrganismos que habitam um ambiente específico, incluindo suas comunidades de bactérias, fungos, vírus e protozoários), com enorme potencial para transformar a agricultura. Esses microrganismos têm a capacidade de impulsionar o crescimento das plantas, contribuindo para sistemas agrícolas mais produtivos e sustentáveis. No entanto, aproveitar essa biodiversidade microbiana de maneira eficiente ainda representa um grande desafio científico.

Fonte: Gerado por DALL-E

Microrganismos nativos do solo colaboram com as plantas por meio de várias funções, como a fixação de nitrogênio, a solubilização de fósforo e a produção de substâncias promotoras de crescimento, como o ácido indolacético. Apesar disso, muitos insumos agrícolas são baseados em microrganismos não nativos, que frequentemente enfrentam dificuldades de adaptação ao ambiente, resultando em baixa colonização e ineficiência para o desenvolvimento vegetal. 

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Um ChatGPT para genomas? Conheça o Evo!

Por Guilherme Toledo – Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Imagine que o código genético – o DNA, o RNA e as proteínas – seja como um idioma biológico, com letras, palavras e frases que determinam como a vida funciona. Assim como entendemos e criamos frases em uma língua, cientistas descobriram que podem usar inteligência artificial (IA) para ler, prever e até escrever trechos inteiros do “idioma” da vida.

Neste contexto surge o Evo, uma inteligência artificial inovadora criada por Eric Nguyen e sua equipe, trabalho publicado na revista Science. Evo é um modelo de IA desenvolvido especificamente para compreender profundamente sequências biológicas. Pense em um ChatGPT que, em vez de linguagem humana, entende a linguagem da vida! O Evo foi treinado com impressionantes 2,7 milhões de genomas microbianos, especialmente bactérias e vírus relacionados, tornando o Evo um modelo chamado generalista: ou seja, não é especializado em apenas um grupo ou grupos da árvore da vida.

Mas o que exatamente o Evo faz? O modelo possui duas grandes habilidades: prever e gerar novas informações biológicas.

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Primeiros Dias, Grande Impacto: O Papel da Microbiota Inicial na Saúde Infantil

Por Fabienne Ferreira – Departamento de Microbiologia – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Já se sabe a bastante tempo que o corpo humano é habitado por muitos microrganismos, em um conjunto de seres microscópicos conhecidos como MICROBIOTA. Também não é novidade para a ciência que estes microrganismos auxiliam em muitos aspectos da saúde humana, como produção de vitaminas e desenvolvimento das defesas imunológicas. 

Figura 1 – Amamentação: uma das principais formas de colonização da microbiota

Até o momento, os dados científicos indicam que a microbiota começa a ser formada a partir do nascimento, quando entramos em contato com os microrganismos da nossa mãe e do mundo ao redor. Durante o primeiro ano de vida, estes microrganismos aumentam em número e diversidade, com a maior parte deles habitando o intestino. Estudos ecológicos indicam que as primeiras bactérias “colonizadoras” do nosso intestino ditam como será moldada toda a comunidade microbiana que vai se desenvolvendo em seguida. No entanto, sabemos pouco como diferentes padrões na construção desta microbiota podem contribuir para uma vida com mais ou menos saúde.  

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Combinação de silício e lítio pode auxiliar na regeneração do tecido que sustenta os dentes

Combinação de silício e lítio pode auxiliar na regeneração do tecido que sustenta os dentes

Por Michelle Tillmann Biz – Departamento de Ciências Morfológicas – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

O dente é suportado nos maxilares por uma rede de fibras grossas que o prendem no osso alveolar: o chamado periodonto de sustentação. O periodonto é uma estrutura complexa que dá suporte ao dente, composto pelo ligamento periodontal (tecido mole) que ancora o dente através do cemento (tecido mineralizado) ao osso alveolar (tecido mineralizado). Tal qual outros tecidos do nosso corpo, o periodonto de sustentação pode sofrer inflamação/infecção, o que caracteriza uma doença periodontal. Os últimos relatórios da OMS indicam que cerca de 19% da população adulta sofre de sua forma grave, que acarreta destruição irreversível do periodonto, causando perda dentária. Regenerar esse arranjo complexo de tecidos mineralizados e moles é um grande desafio clínico nos dias atuais. 

Figura 1 – Esquema da constituição do periodonto

Dentre as estratégias adotadas atualmente encontram-se os materiais que combinam silício e lítio. Estes materiais têm sido amplamente estudados na regeneração periodontal, pois estimulam o reparo ósseo por meio da liberação de ácido silícico, ao mesmo tempo em que fornecem estímulos regenerativos por meio do lítio, o qual ativa a via Wnt/β-catenina (uma via de sinalização celular envolvida no processo de regeneração). No entanto, os materiais existentes para liberação combinada de lítio e silício apresentam controle limitado sobre as quantidades e a cinética de liberação de íons. Mas, recentemente Cientistas Descobriram Que é possível combinar silício poroso com pré-litiação para obter a regeneração do periodonto de sustentação. Mas o que isso significa?  

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Fusobacterium nucleatum: Uma Bactéria da Boca Pode Estar Impulsionando o Câncer de Mama

Por Ricardo Mazzon – Departamento de Microbiologia – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) 

O corpo humano é colonizado em muitas partes por bactérias, fungos, vírus e protozoários que, quando suas populações são mantidas em número controlado e restritas aos locais que normalmente habitam, contribuem positivamente para o funcionamento do organismo na medida que protegem tais tecidos contra infecções de microrganismos exógenos, contribuem para a ciclagem de nutrientes nestes nichos além de produzir vitaminas e degradar toxinas. Ao conjunto destes microrganismos que habitam um determinado sítio anatômico do corpo humano é dado o nome de Microbiota residente (e.g. microbiota residente da pele, microbiota residente da boca, microbiota residente do trato gastrointestinal e etc). Já é bem estabelecido na literatura científica que, esses microrganismos residentes em determinada região do nosso corpo, quando transportados para regiões nas quais eles não são habitantes usuais, podem se tornar agentes de infecção evento frequentemente referido como uma infecção endógena.

Muitos estudos feitos com as microbiotas do corpo humano apontam potencial interferência destes microrganismos ou repercussão sobre eles em manifestações como obesidade, autismo, diabetes, adicção por drogas, dermatites, doenças intestinais, doenças hepáticas, doenças cardiovasculares, ansiedade, depressão, câncer etc. 

Embora um grande estudo de coorte prospectivo realizado por Jia e colaboradores (2020) não tenha identificado associação clara entre a doença periodontal e o risco geral de câncer de mama, este estudo mostrou um risco aumentado sugestivo de câncer de mama invasivo e risco reduzido de carcinoma ductal in situ independentemente na mesma população.

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