Por Dr. Marco Augusto Stimamiglio do Instituto Carlos Chagas – Fiocruz

À medida que a população mundial de idosos aumenta, compreender as disparidades na saúde relacionadas à idade se torna uma tarefa essencial. O envelhecimento do nosso sistema imunológico tem papel crítico na manifestação de doenças e no declínio das condições de saúde relacionadas à idade, como a menor eficiência na recuperação de infecções e no combate a patógenos oportunistas. Mas será que pode haver alguma associação entre o envelhecimento do nosso sistema imune e o estresse social (como discriminação, trauma, estresse crônico) que somos submetidos ao longo de nossas vidas?
É evidente que cada indivíduo tem uma taxa de envelhecimento do seu sistema imune e que fatores como o tabagismo podem acelerar esta taxa, enquanto a prática regular de exercícios físicos pode retardá-la. Em um estudo publicado em junho de 2022 na prestigiada revista PNAS, foram utilizados dados de saúde de mais de 5 mil adultos norte-americanos acima dos 50 anos de idade para revelar a associação entre fatores socioeconômicos ou de estilo de vida e o envelhecimento imunológico acelerado.
Neste trabalho, os cientistas californianos analisaram dados de um questionário sobre estresse e de amostras de sangue dos norte-americanos maiores de 50 anos envolvidos no estudo. Utilizando modelos computacionais para comparar o perfil das células T que combatem infecções e cinco categorias de estresse social – discriminação cotidiana, eventos estressantes da vida, discriminação ao longo da vida, trauma da vida e estresse crônico – os cientistas descobriram associações importantes entre fatores estressores e o perfil das células T presentes nestas pessoas.
Para esclarecer ao leitor sobre o perfil destas células, apresentarei brevemente os linfócitos T CD4+ e CD8+. As células T CD4+ (também chamadas de linfócitos auxiliares) ajudam a sinalizar e orientar as células de combate, enquanto as células T CD8+ (também chamadas de linfócitos citotóxicos) atacam as células infectadas com patógenos. Estas células residem nos órgãos linfoides (como as amígdalas) ou na circulação sanguínea em um estado de repouso, o qual chamamos estado virgem pela ausência de contato com agentes patogênicos, como os vírus. Após contato com antígenos virais, por exemplo, os linfócitos são ativados e sofrem alterações fenotípicas, ou seja, mudanças nas proteínas de superfície celular. Por fim, a ativação das células T promove sua diferenciação terminal em células efetoras capazes de combater as infecções. Estas, por sua vez, podem permanecer por longos períodos como células de memória específicas contra o agente patogênico para o qual foram preparadas. Desta forma, as células T terminalmente diferenciadas tem função restrita e não mais atuam em novas infecções causadas por patógenos diferentes de sua especificidade. Por outro lado, as células T virgens estão de sentinela e são produzidas e eliminadas do corpo rapidamente com a função de manter o organismo preparado para combater novos invasores. À medida que envelhecemos, nosso corpo produz naturalmente menos células virgens, ao mesmo tempo em que falha na eliminação das células T terminalmente diferenciadas mais antigas. Isso resulta em um sistema imunológico com uma porcentagem menor de células virgens de prontidão, em comparação com células diferenciadas. Portanto, a razão entre estes perfis de células T pode ser usada como um indicador de envelhecimento do sistema imune.
Voltando à associação entre o estresse social e o envelhecimento do sistema imune, os cientistas descobriram que traumas de vida e estresse crônico estão associados a uma porcentagem menor de células CD4+ virgens, indicando que menos delas estão sendo produzidas nesta condição. Enquanto isso, a discriminação e o estresse crônico foram associados a uma porcentagem maior de células CD4+ terminalmente diferenciadas, indicando uma pior capacidade de eliminá-las do corpo.
A equipe também descobriu que alta discriminação ao longo da vida, eventos traumáticos e estressantes da vida estavam associados a uma porcentagem menor de células CD8+ virgens, assim como alta discriminação ao longo da vida, estresse crônico e eventos estressantes estavam relacionados a uma porcentagem maior de células CD8+ terminalmente diferenciadas, todos estes fatores indicando o envelhecimento imunológico.
Entretanto, uma limitação do estudo é que os cientistas só possuem dados de porcentagem das células T a partir do momento em que as amostras de sangue foram coletadas. Idealmente, seria importante saber como eram os perfis imunológicos dos participantes do estudo antes dos eventos estressantes. Sem estes dados, os cientistas não podem tirar conclusões sobre a causa direta das alterações de perfil das células T. Ainda assim, as descobertas feitas pelos cientistas com os dados disponíveis têm implicações muito importantes para fomentar um envelhecimento saudável, pois predizem resultados de saúde como a propensão ao desenvolvimento de doenças crônicas, maior fragilidade às infecções e redução da robustez de respostas vacinais.
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