Por Marco Augusto Stimamiglio – Instituto Carlos Chagas – Fiocruz, Paraná
O uso das células-tronco em tratamentos clínicos da chamada medicina regenerativa se baseia sobretudo no potencial destas células em induzir a recuperação dos tecidos que são lesionados ou são acometidos por alguma doença que cause sua degeneração. As características e potencialidades das células-tronco são inúmeras, a depender de seu tecido de origem e do estágio de maturação que se encontre.
Este blog já dedicou muitos dos seus textos descrevendo promissoras descobertas científicas sobre as células-tronco (veja exemplos aqui). Contudo, o uso destas células na medicina regenerativa enfrenta grandes desafios, seja pela diversidade que dificulta a uniformização da sua aplicação ou pela instabilidade durante seu cultivo e expansão em laboratório. É justamente por este motivo que os cientistas buscam maneiras de copiar as células-tronco e substituí-las por produtos de fabricação laboratorial, multiplicáveis e uniformes, por vezes chamados de células-tronco artificiais.
No ano de 2016, cientistas da Universidade da Carolina do Norte, nos EUA, desenvolveram uma espécie de versão sintética de célula-tronco cardíaca. Micropartículas que imitavam as células foram fabricadas em laboratório, utilizando o conteúdo secretado por células-tronco (conhecido como fatores parácrinos, que são sinais enviados entre as células de um tecido).
Nesta versão sintética de célula-tronco, o conteúdo celular secretado foi empacotado em um polímero biodegradável de PLGA recoberto com a membrana externa das próprias células-tronco. Isso quer dizer que as micropartículas fabricadas possuíam a carga e a casca de células-tronco cardíacas, o que estimulou o crescimento de novas células-tronco de músculo cardíaco e promoveu a recuperação do coração de camundongos de laboratório que haviam sofrido infarto cardíaco (este trabalho foi publicado na revista Nature Communications e pode ser visto neste link).
Apesar da grande descoberta feita pelos cientistas, permitindo a conservação e estabilidade a longo prazo de um produto de células-tronco, a fabricação de um possível produto terapêutico para aplicação na saúde humana permanecia pendente de uniformização.
Mais recentemente, no final do ano de 2021, cientistas da Universidade de Connecticut, nos EUA, projetaram as chamadas células-tronco artificiais sintéticas a partir do mesmo polímero biodegradável de PLGA, porém empacotando proteínas sintetizadas em laboratório e selecionadas para a recuperação do tecido cartilaginoso. Os resultados desta pesquisa foram publicados na revista científica PNAS e demonstram como as micropartículas sintéticas podem imitar células-tronco mesenquimais em sua ação anti-inflamatória e protetora do tecido cartilaginoso.
Os autores deste trabalho postulam que sua descoberta abre portas para futuros avanços na medicina regenerativa, pois com o uso das micropartículas artificiais e sintéticas é possível contornar as dificuldades existentes na aplicação das células-tronco. Além disso, embora seu trabalho tenha se concentrado nas lesões do tecido cartilaginoso através da indução e cura da osteoartrite em animais de laboratório, as células-tronco sintéticas podem ser adaptadas e potencialmente aplicadas no tratamento de muitas outras doenças.
O potencial deste modelo de terapia é realmente notável. Aliás, o uso de partículas sintéticas como veículo de fármacos é aplicado há muito tempo na medicina humana. Portanto, nomear estas partículas de células-tronco artificiais pelo simples fato de apresentarem ação semelhante às próprias células-tronco em um determinado modelo animal de lesão tecidual pode ser um pouco apelativo. Mas, seja como for, estudos desta natureza compõem avanços científicos importantes e nos aproximam cada vez mais de protocolos terapêuticos mais simples e efetivos.
Para saber mais: