Fusobacterium nucleatum: Uma Bactéria da Boca Pode Estar Impulsionando o Câncer de Mama

Por Ricardo Mazzon – Departamento de Microbiologia – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) 

O corpo humano é colonizado em muitas partes por bactérias, fungos, vírus e protozoários que, quando suas populações são mantidas em número controlado e restritas aos locais que normalmente habitam, contribuem positivamente para o funcionamento do organismo na medida que protegem tais tecidos contra infecções de microrganismos exógenos, contribuem para a ciclagem de nutrientes nestes nichos além de produzir vitaminas e degradar toxinas. Ao conjunto destes microrganismos que habitam um determinado sítio anatômico do corpo humano é dado o nome de Microbiota residente (e.g. microbiota residente da pele, microbiota residente da boca, microbiota residente do trato gastrointestinal e etc). Já é bem estabelecido na literatura científica que, esses microrganismos residentes em determinada região do nosso corpo, quando transportados para regiões nas quais eles não são habitantes usuais, podem se tornar agentes de infecção evento frequentemente referido como uma infecção endógena.

Muitos estudos feitos com as microbiotas do corpo humano apontam potencial interferência destes microrganismos ou repercussão sobre eles em manifestações como obesidade, autismo, diabetes, adicção por drogas, dermatites, doenças intestinais, doenças hepáticas, doenças cardiovasculares, ansiedade, depressão, câncer etc. 

Embora um grande estudo de coorte prospectivo realizado por Jia e colaboradores (2020) não tenha identificado associação clara entre a doença periodontal e o risco geral de câncer de mama, este estudo mostrou um risco aumentado sugestivo de câncer de mama invasivo e risco reduzido de carcinoma ductal in situ independentemente na mesma população.

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A Rede Social do Microbioma Intestinal 

Por Heiliane de Brito Fontana – Departamento de Ciências Morfológicas – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) 

O microbioma intestinal, conhecido por seu importante papel na saúde humana, continua a revelar novas dimensões em estudos recentes. Este ecossistema microbiano, composto por trilhões de organismos simbióticos, é afetado por dieta, medicamentos, estilo de vida e exposições ambientais. Pesquisas mostram que sua composição é determinante no desenvolvimento humano, fisiologia, imunidade e nutrição, enquanto desequilíbrios estão associados a diversas doenças.

Figura 1 – Família de pequena comunidade hondurenha. Fonte: Sofía Marcía

Um estudo, publicado em 20 de novembro de 2024, avança no entendimento do impacto das interações sociais no microbioma intestinal. Usando mapeamento detalhado das interações sociais e sequenciamento genômico em 18 vilarejos isolados de Honduras, pesquisadores investigaram como as relações sociais influenciam o compartilhamento de cepas microbianas. As aldeias, com populações entre 66 e 432 pessoas, mantêm um estilo de vida tradicional, com dietas locais e baixa exposição a antibióticos.

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Como uma bactéria pode ajudar a curar feridas difíceis

Por Fabienne Ferreira – Departamento de Microbiologia – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Feridas crônicas são aquelas que demoram muito tempo para cicatrizar ou que não cicatrizam completamente. Ao contrário de cortes ou arranhões comuns, que costumam sarar em poucas semanas, as feridas crônicas podem persistir por meses ou até anos. Elas geralmente ocorrem em pessoas com condições de saúde como diabetes, onde a circulação sanguínea é comprometida, dificultando o processo natural de cura. Estas feridas são um grande desafio para a saúde, pois podem levar a problemas graves e até a morte. Só nos Estados Unidos, elas afetam cerca de 6 milhões de pessoas por ano. Por isso, cientistas estão sempre buscando novas e melhores maneiras de tratá-las. 

Figura 1 – Placa de cultivo de bactérias

Recentemente, eles descobriram algo interessante sobre bactérias que vivem nas feridas crônicas, usando como exemplo as úlceras nos pés de diabéticos: há algumas espécies que quase sempre estão associadas a infecções das feridas, como Staphylococcus aureus. No entanto, há espécies, como Alcaligenes faecalis, que estão frequentemente presentes em feridas crônicas, mas raramente causam infecções. A partir desta observação, os cientistas resolveram testar se essa bactéria poderia ajudar a curar feridas. 

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As melhores descobertas científicas publicadas em 2024 no CDQ

As melhores descobertas científicas publicadas em 2024 no CDQ

Links das publicações:

Aliados invisíveis: como as bactérias podem ajudar na luta contra o câncer

Por Fabienne Ferreira – Departamento de Microbiologia – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Você sabia que dentro do nosso corpo existem pequenos seres vivos, os microrganismos, que formam uma comunidade enorme e cheia de interações? Cientistas têm observado, que algumas bactérias presentes no nosso corpo podem interagir com células cancerígenas. A partir desta observação, eles começaram a analisar estas bactérias mais de perto, pensando na possibilidade de poder utilizá-las como parte importante no tratamento de diferentes tipos de câncer. 

Os cientistas começaram a estudar uma bactéria chamada Pseudomonas aeruginosa, e descobriram que ela pode produzir uma substância chamada azurina, que consegue adentrar as células cancerígenas humanas e, surpreendentemente, fazer com que estas se “desliguem” e morram, em um mecanismo conhecido na biologia como apoptose. Mas os estudos não pararam por aí. Os cientistas queriam entender mais sobre a interação entre essa bactéria e o nosso corpo, na indução da morte dos tumores. Por isso, através de novos experimentos, cientistas descobriram que quando as células cancerígenas estão perto da bactéria, as células tumorais começam a liberar uma substância chamada aldolase A. Isso faz com que a bactéria libere ainda mais azurina, e grude mais nas células do câncer.

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Bactérias ancestrais vítimas de um vírus moderno?

Bactérias ancestrais vítimas de um vírus moderno?

Por Giordano W. Calloni – Departamento de Biologia Celular – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Os leitores fiéis do CDQ e já familiarizados com meus textos, devem ter percebido uma certa obsessão de minha parte por uma organela onipresente em nossas células: a mitocôndria. Ver também texto de 2016.

Mitocôndria

Para que os leitores possam acompanhar o presente texto, irei relembrar rapidamente a Teoria Endossimbiótica. Essa teoria afirma que as mitocôndrias atuais se originaram a partir de bactérias ancestrais. O mecanismo exato pelo qual isso ocorreu ainda é fonte de muitas hipóteses e pesquisas, mas estima-se que ocorreu entre 1,6 e 1,8 bilhão de anos atrás. Uma dessas hipóteses propõe que as bactérias foram fagocitadas (ou seja, ingeridas) por outras células maiores. De alguma forma, essas bactérias escaparam de ser digeridas por essa célula ancestral e permaneceram em seu interior. Assim, se estabeleceu uma simbiose entre os dois seres, ou seja, a bactéria passou a fornecer energia para a célula que lhe hospedou, e em troca ganhou proteção e nutrientes da mesma. Milhares de anos de evolução transformaram essa bactéria nas atuais mitocôndrias, que são as grandes usinas de energia das células eucariontes, sob a forma de ATP. Vale mencionar que esta teoria também explicaria a origem dos cloroplastos de plantas e algumas algas.

A ideia de que algumas organelas em eucariotos evoluíram a partir de bactérias endossimbióticas remonta ao início do século XX. Em 1905, Konstantin Mereschkowsky sugeriu que os cloroplastos derivaram de “algas verde-azuladas” (hoje sabemos que são na verdade cianobactérias). Em 1927, Wallin propôs que as mitocôndrias derivaram de bactérias roxas (alfaproteobactérias). Entretanto, esta hipótese que parecia originada de um livro de ficção científica, permaneceu extremamente controversa, por razões óbvias: parecia ser louca demais para ser verdade! E o principal: faltavam evidências para poder comprová-la. 

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Uma assinatura microscópica das cidades: o que as abelhas nos revelam sobre os microrganismos urbanos

Uma assinatura microscópica das cidades: o que as abelhas nos revelam sobre os microrganismos urbanos

Por Fabienne Ferreira – Dpto. de Ciências Morfológicas – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de metade da população mundial vive atualmente em áreas urbanas, e estima-se que essa proporção aumente para 70% até 2050. Nas cidades, temos uma mistura de muitos seres vivos, como pessoas, animais não humanos e plantas, cada um com suas próprias comunidades de microrganismos. A soma de todas essas comunidades microscópicas (invisíveis aos nossos olhos nus) é chamada microbioma. Essas diferentes formas de vida interagem o tempo todo, tanto entre si quanto com os prédios e ruas que criamos. 

Uma crescente quantidade de evidências científicas nos mostra que a saúde e bem-estar dos seres vivos dependem dessas interações.

Na verdade, o desenvolvimento e a saúde dos seres humanos estão relacionados a uma combinação de características individuais e características dos microrganismos que habitam nosso corpo.

Além disso, foi descoberto que o momento de floração das plantas depende do conjunto de microrganismos no solo, e que compostos metabólicos úteis em plantas medicinais são possivelmente sintetizados em conjunto com suas bactérias parceiras. 

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