O beijo da morte e a guerra entre linfócitos e tumores

Por Prof. Dr. Giordano Wosgrau Calloni – Depto de Biologia Celular, Embriologia e Genética, UFSC.

Na terceira parte de um dos maiores filmes da história do cinema norte-americano, o Poderoso Chefão, assistimos ao famoso beijo da morte. Michael Corleone beija violentamente a boca de seu irmão Fredo após descobrir a traição que este cometeu. O beijo era o sinal de que Fredo estava marcado para morrer. Para a máfia, este beijo imposto, de certa forma “roubado”, tem como objetivo sinalizar que a morte do ser beijado foi decretada.

Um beijo similar parece acontecer em escala microscópica no nosso organismo. Cientistas descobriram que existem beijos roubados entre as células que podem levar à morte do organismo em sua batalha contra células tumorais. 

Células NK roubam membrana tumoral

Para entendermos o que acontece, precisamos primeiramente falar de um grupo específico de células que circula em nossa corrente sanguínea e que possui um nome que mais parece ter saído de um filme de mafiosos: as Natural Killers, ou abreviadamente, NK, (literalmente assassinas por natureza, ou assassinas naturais). As células NK são um tipo de linfócitos do nosso sistema imune.

Muitos linfócitos são produtores de citocinas, ou seja, de proteínas que, como balas, saem da pistola de um gângster e são lançadas contra outros gangsters. Essas balas, ops, citocinas são lançadas e podem matar tanto células infectadas por vírus, quanto células tumorais. Linfócitos matadores de tumores foram relatados pela primeira vez em 1968, por Hellström e colaboradores. Alguns anos depois, em 1975, Kiessling e colegas, em paralelo com o grupo de pesquisa de Ronald Herberman, definiram uma nova população de linfócitos capazes de atingir células tumorais que foram chamados de Natural Killers (NKs). Portanto, as NKs seriam gângsters que valem a pena termos como aliadas.

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O que somos nós?

Por Giordano W. Calloni, Dpto de Biologia Celular, Embriologia e Genética da UFSC

Fred Tomaselli, Airborne Event, 2003. Obra de arte realizada com folhas, colagem de fotos, guache, acrílico e resina sobre painel de madeira.

Meu caro leitor, o título do presente texto é para soar tão provocativo quanto realmente é. Foi apenas após 10 anos ministrando a disciplina de Biologia Celular na Universidade Federal de Santa Catarina que percebi como pequenas palavras podem nos trair e perpetuar uma falsa concepção do que realmente somos. No ano de 2019, eu e cerca de mais 15 alunos do curso de Biologia estivemos envolvidos em um projeto que consistia em converter salas de aula em uma grande célula em escolas de Florianópolis, SC. Durante nossas exposições a estudantes das mais diversas idades, percebi que meus próprios pupilos iniciavam suas apresentações com a seguinte sentença:

– Pessoal, vocês sabem que nós todos possuímos células?

Percebi então, que eu havia falhado em passar um conceito primordial aos meus próprios alunos: a concepção de que não possuímos células, não temos células, mas sim que nós SOMOS células. Talvez possa parecer uma grande obviedade, mas essa aparente pequena diferença entre ter e Continuar lendo

Proteger a Vida verde para que(m)?

Por Giordano W. Calloni – Dpto. de Biologia Celular, Embriologia e Genética – UFSC

Figura 1: Pahvo: um planeta sem Vida? Momento em que a nave USS Discovery adentra o planeta Pahvo (Fonte: Foto do próprio autor de Star Trek Discovery, Temp.1-8).

6’:55’ – Estamos dentro de uma nave e vamos nos aproximando de uma densa e exuberante mata. Detalhe: as folhas não são verdes, mas azuis.

7’:14” – Caminhando em meio às árvores a especialista Michael Burnham se apresenta ao público. Descobrimos que o planeta se chama Pahvo (Figura 1) e a tripulação da nave já está ali há 18 horas na vã tentativa de detectar alguma forma de vida.

7’:23” – A especialista, ainda em meio às árvores, nos adverte: “parece ser um planeta desabitado, mas único e, para nós, estratégico”.

7’:29” – A especialista Burnham está com os outros dois tripulantes da nave, o humano Ash Tyler e o alienígena Saru. Uma substância Continuar lendo