Papais, a sua saúde também é uma herança!

Prof. Dr. Geison Souza Izídio, Universidade Federal de Santa Catarina – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Ao longo da história, os seres humanos se reproduziram sem muito planejamento. Nos tempos modernos, isso felizmente vem mudando. É cada vez mais comum ver casais se organizando financeiramente, ou psicologicamente, para se preparar para a chegada de um filho(a). Também, diversos avanços na assistência e cuidados de saúde das mamães, especialmente durante a gravidez, já são observados. 

Mas algo me chama muito a atenção, quando estou em contato com amigos, ou com a sociedade em geral. Poucos parecem entender que os papais também deveriam se preparar fisiologicamente para ter filhos. Sim, o corpo do homem, a sua saúde e até seus hábitos de vida antes da concepção têm um papel fundamental na saúde da criança. E não só dela, provavelmente dos netos também!

Um artigo publicado na prestigiada revista Nature Reviews Urology, em 2023, traz evidências científicas que o estilo de vida do homem pode modificar profundamente o seu esperma, e essas mudanças têm consequências reais para as futuras gerações. Isso aconteceria por meio de uma “marcação química” chamada de metilação do DNA, que “liga” ou “desliga” genes. Quando esse sistema de controle sofre interferência, ele pode aumentar o risco de o bebê desenvolver doenças como câncer, diabetes, transtornos neurológicos e muito mais.

Por exemplo, estresse alto, obesidade, consumo de álcool, fumo de cigarro ou maconha, alimentação com ultraprocessados, poluição, e substâncias químicas presentes em agrotóxicos, plásticos e produtos de limpeza são exemplos de fatores que podem prejudicar os espermatozoides afetando negativamente o desenvolvimento dos embriões (futuros filhos).

Foto por Nadezhda Moryak em Pexels.com

Essas descobertas não só explicam problemas de saúde herdáveis, que antes pareciam “sem causa”, como também abrem portas para diagnósticos e prevenção, pois o papel potencialmente prejudicial dos pais nestes problemas de saúde é bastante subestimado, até o momento, pelos cientistas que estudam epigenética. Entretanto é preciso lembrar que os espermatozoides são produzidos continuamente durante a vida adulta, e então eles podem refletir exposições ambientais acumuladas no homem. Por esta razão, a metilação do DNA do esperma poderá virar, futuramente, um biomarcador de infertilidade, ou de risco para a saúde dos filhos.

Ou seja, o que o pai vive, consome e sente antes da gravidez importa, e muito. Futuros papais, cuidar da sua saúde não é somente autocuidado é um ato de amor e de compromisso intergeracional. Porque a herança de vida que vocês deixarão no planeta pode começar antes mesmo de uma criança existir.

Para saber mais:

Katherine W. Greeson, Krista M. S. Crow, R. Clayton Edenfield & Charles A. Easley IV. Inheritance of paternal lifestyles and exposures through sperm DNA methylation. Nature Reviews Urology, volume 20, pages 356–370 (2023).

Bebês gerados por reprodução assistida possuem alterações epigenéticas. O que isso significa?

Por Virginia Meneghini Lazzari – Dpto. de Biologia Celular Embriologia e Genética, UFSC

A reprodução assistida é uma área da medicina em crescimento desde que o primeiro “bebê de proveta” nasceu, em 1978. Atualmente, cerca de 8 milhões de crianças já foram geradas utilizando técnicas de fertilização in vitro. Em uma sociedade que cada vez mais adia os planos de ter filhos, a reprodução assistida surge como aliada para realizar o sonho da maternidade/paternidade.

No entanto, não se sabe o impacto das técnicas de fertilização in vitro na saúde das pessoas geradas a partir delas. Estudos têm sugerido uma influência no neurodesenvolvimento, função cardiovascular, metabolismo, crescimento, entre outros. Porém, não está claro se as diferenças observadas nas crianças concebidas por reprodução assistida são causadas pelo próprio procedimento ou por fatores associados à subfertilidade dos pais.

As técnicas de fertilização in vitro envolvem a manipulação e o cultivo de embriões durante um período que coincide com extensa remodelação epigenética. É, portanto, plausível que os procedimentos alterem a epigenética dos embriões e, por consequência, dos bebês gerados a partir deles. O termo epigenética se refere aos mecanismos celulares relacionados ao acesso da maquinaria celular às regiões do DNA. Através da epigenética, ocorre a regulação sobre quais genes cada célula deve “ler”. Fazendo uma analogia, é como se o DNA de uma pessoa fosse um “livro de receitas” sobre como o corpo deve ser construído e funcionar, e a epigenética é a marcação de quais páginas do livro devem ser lidas por cada célula para que o organismo funcione de forma adequada. Sem a epigenética, todas as receitas do livro poderiam ser lidas por todas as células. Assim, uma célula presente na retina do olho poderia executar a receita de como fazer fio de cabelo, por exemplo, provocando uma completa desordem!

Uma das formas de marcação epigenética, que guia as células sobre locais do DNA que não devem ser acessados, é a metilação do DNA. Nessa marcação, ocorre a ligação de um grupo metil (um carbono e três hidrogênios – CH3) a locais específicos do DNA, chamados de ilhas CpG e, em geral, isso demonstra para a célula que aquele local não deve ser “lido”. Um estudo recente, publicado na Nature Communications*, testou a metilação de DNA do sangue do cordão umbilical de 962 bebês gerados por reprodução assistida e comparou com a metilação de DNA de 983 recém-nascidos concebidos naturalmente. O estudo foi cuidadosamente desenhado para controlar potenciais fatores de confusão associados tanto com o uso de reprodução assistida quanto com metilação do DNA em recém-nascidos, como idade materna, causas de infertilidade, tabagismo e IMC (Índice de Massa Corporal – cálculo para avaliar o grau de sobrepeso e obesidade) materno.

Os cientistas descobriram que recém-nascidos concebidos por reprodução assistida apresentam metilação do DNA diminuída no seu genoma. Foram encontradas diferenças de padrão de metilação em 607 ilhas CpG entre os grupos. 176 destes locais de marcação epigenética estavam presentes em genes conhecidos, incluindo genes relacionados ao crescimento e desenvolvimento neural.

Alguns destes genes apresentaram muitas mudanças no padrão de metilação e chamaram a atenção dos cientistas.

Os genes com mais diferenças entre os grupos foram BRCA1 e HLA-DQB2. BRCA1 é um gene que desempenha um papel fundamental na divisão celular e expressão gênica, sendo um gene de suscetibilidade para câncer de mama de início precoce e apresentou 10 locais com alteração de metilação entre os grupos. Já o HLA-DQB2 é um gene que faz parte do sistema HLA, um grupo de proteínas envolvido tanto na resposta imune normal quanto na patogênese de doenças e apresentou 11 locais com alteração de metilação.

Chocante, não? Mas calma, apesar de tantas alterações, não é possível saber se as diferenças epigenéticas observadas persistem na idade adulta e contribuem para mudanças na saúde entre crianças concebidas por reprodução assistida e crianças concebidas naturalmente. Ainda há um longo caminho para entender as consequências destes achados, atualmente tudo indica que a reprodução assistida é segura e gera pessoas saudáveis e ainda não é possível saber o que estes achados significam. O papel dos cientistas é sempre observar, questionar e investigar as possibilidades biológicas relacionadas aos procedimentos realizados. É neste sentido que as pesquisas devem continuar ocorrendo, para garantir a segurança da população.

Para saber mais acesse:

Sucos naturais: não tão inofensivos quanto parecem

Por: Giordano W. Calloni                                                                                                                    Dpto. de Biologia Celular, Embriologia e Genética – UFSC

À direita o criador e editor do Blog, prof. Ricardo Garcez, brindando a saúde com este que vos escreve. Foto: André de Avila Ramos.

À direita o criador e editor do Blog, Ricardo Garcez, brindando a saúde com este que vos escreve. Foto: André de Avila Ramos.

Caro leitor, caso você esteja lendo estas linhas posso respirar aliviado. Isso quer dizer que meu editor não censurou o que vou lhes contar. Na verdade, trata-se de uma intimidade dele (e minha). Pois bem, já há alguns anos eu e o editor deste Blog temos um ritual: frequentamos um dos restaurantes no entorno da Universidade e pedimos um generoso copo de suco Continuar lendo

Os efeitos do estresse podem ser transmitidos de pai para filho através do esperma

Por Marco Augusto Stimamiglio
Instituto Carlos Chagas – Fiocruz/PR

Marco - FiguraNos últimos anos, tem se tornado claro que as experiências de vida dos pais podem influenciar a saúde e o comportamento de seus filhos. Este fenômeno não diz respeito às heranças genéticas (relacionadas com a sequência do DNA de um organismo) transmitidas entre as gerações, mas sim a modificações epigenéticas. Esta herança epigenética Continuar lendo