Autofagia e esmalte dos dentes: Defeitos podem ser causados por estresse nutricional no ameloblastos

Por  Michelle T. Biz. Dpto. de Ciências Morfológicas, UFSC

Recentemente, Cientistas Descobriram Que a ausência de autofagia pode levar à condição de amelogênese imperfeita. Mas o que é autofagia?

A autofagia é o processo fisiológico básico responsável por eliminar da célula possíveis proteínas ou componentes celulares danificados ou desnecessários. Também é um mecanismo da célula para prover nutrientes em momentos em que estiver passando por condições de provação ou estresse, funcionando como um mecanismo de sobrevivência celular.

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A caminho de uma restauração dentária biológica: nova formulação e aplicação apontam para um futuro clínico

por Michelle Tillmann Biz – Dpto. de Ciências Morfológicas / UFSC

A dentina constitui a maior parte do tecido mineralizado do dente. Quando acometida por cárie, as células tronco contidas no interior da polpa dentária são capazes de diferenciarem-se em odontoblastos e secretar nova dentina a partir do local da lesão; entretanto, sem serem capazes de repor a porção dentinária perdida. Isso acarreta o enfraquecimento da estrutura dentária, uma vez que esta região de dentina perdida será reposta por material restaurador que, muito embora tenha uma estética excelente, não possui a mesma resistência do tecido dentinário perdido. 

A indução de células tronco no processo de reparo da dentina ocorre via sinalização Wnt/β-catenina, e a quantidade/qualidade de dentina reparadora produzida está diretamente relacionada ao nível de atividade de sinalização. Porém, esta via pode ser bloqueada pela enzima glicogênio sintase quinase 3 (GSK-3). Assim, em um estudo de 2017, objetivando a regeneração da dentina perdida aprimorando esta via de sinalização Wnt/β-catenina, um grupo de pesquisadores utilizou um inibidor da GSK-3 (leia a resenha deste estudo no CDQ).

Neste estudo de 2017, como inibidor de GSK-3 os pesquisadores utilizaram a Tideglusib (medicamento para tratamento de Alzheimer) em esponjas biodegradáveis. Muito embora o resultado tenha sido efetivo e promissor, a forma de aplicação (em esponjas no interior da cavidade pulpar) não pareceu ser a mais adequada para uma futura aplicação clínica.

Assim, os pesquisadores partiram para o estudo de uma formulação de inibidor de GSK-3 que pudesse ser incorporado em um hidrogel, e desta forma, ser aplicado no interior da cavidade do dente com a ajuda de uma seringa (sendo esta uma das formas mais comuns de aplicação de medicamentos e substâncias no interior do dente). Quatro anos após a primeira publicação, os pesquisadores apresentaram os resultados da nova formulação. A nova medicação é chamada de NP928 e pertence à mesma categoria da droga utilizada no estudo anterior (as Thiadiazolidinones – TDZD), porém com uma solubilidade maior que a Tideglusib. Assim, foi possível incorporar a droga a um hidrogel a base de ácido hialurônico, o que tornou possível a aplicação usando uma seringa. Após aplicado na cavidade a ser restaurada, o hidrogel passa para o estado sólido com a aplicação da luz azul (fotopolimerizador comumente usado com materiais restauradores), o que acrescenta uma vantagem à sua aplicabilidade clínica. Neste novo estudo, os autores compararam a utilização deste medicamento (NP928) em esponjas biodegradáveis (como no estudo anterior) e com hidrogel (a nova via de aplicação sugerida). Embora a aplicação usando esponjas também tenha provocado a formação de dentina, os autores verificaram que o hidrogel permitiu uma formação 30% maior de dentina.

A superioridade do hidrogel na formação de dentina é explicada pela rápida difusão e liberação do fármaco, sem, contudo, alterar a bioatividade e segurança do medicamento, permitindo a condução de células tronco para o local da aplicaçãoa e formação de nova dentina no local. Além disso, a aplicação do fármaco em hidrogel no interior de seringas aproxima-se mais ao uso rotineiro em consultório, o que pode tornar esta via muito atrativa em termos de aplicações futuras. 

Atualmente, os tratamentos restauradores disponíveis não são capazes de alcançar a regeneração de dentina apresentada pelos pesquisadores, motivo pelo qual estes resultados mostram-se de fato promissores para a Odontologia. Assim, é de se esperar, em breve, novos estudos que venham a comprovar a eficácia e a segurança de uma aplicação clínica deste tratamento;

Para saber mais, acesse o artigo original abaixo:

Stranger (Science) Things: Nicotinamida pode auxiliar no tratamento dos “banguelas” como o Dustin

Por Michelle Tillmann Biz – Dpto. de Ciências Morfológicas / UFSC

Até pouco tempo atrás, a síndrome da Displasia Cleidocraniana (DCC) era praticamente desconhecida de muitos, até que Dustin conquistou corações mundo afora.

Dustin é um dos personagens principais da série “Stranger Things” que, além de muito carismático, chamou a atenção por algo inusitado para um garoto da sua idade: ele é “banguela”. O fato é que, assim como o personagem Dustin, o ator que o interpreta, Gaten Matarazzo, possui DCC.

A DCC é uma doença rara (uma pessoa afetada em cada um milhão de nascimentos), causada por um defeito no gene CBFA1/RUNX2, sendo, portanto, transmitida hereditariamente. Este gene é responsável pela regulação da diferenciação das células que formarão os ossos (osteoblastos). A síndrome afeta principalmente os ossos da face, crânio e clavícula. Dentre as características principais da DCC, estão a estatura baixa, pouco desenvolvimento da clavícula (em alguns casos até ausente), as junções entre ossos do crânio persistentemente abertas, região nasal com proporções reduzidas e aumento exagerado do diâmetro do crânio. No que tange ao desenvolvimento da face, observa-se a maxila e o dorso nasal pouco desenvolvidos e a projeção da mandíbula, fazendo-se necessárias inúmeras cirurgias para as correções esqueléticas. Até início de 2020, Gate já havia passado por quatro cirurgias, fato que partilha com seus fãs em seu perfil no instagram (@gatenm123).

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O impacto da COVID-19 na saúde bucal

Por Filipe Modolo – Dpto. de Patologia, UFSC

Todos nós sabemos que, recentemente, surgiu uma nova cepa letal de coronavírus, o SARS-CoV-2, causador da COVID-19, uma doença que tem comprometido tanto pacientes com doenças prévias quanto pessoas anteriormente tidas como saudáveis. Este vírus apresenta alta taxa de infecção, especialmente pela boca e faringe, e desencadeia a chamada “tempestade de citocinas” (resposta excessiva do nosso sistema de defesa), levando à perda do controle desse sistema e causando sérios danos aos pacientes.

Diante de uma doença tão nova, grave e complexa, ainda não existe um tratamento com 100% de eficácia, e os protocolos com maior taxa de sucesso são compostos por associações de vários medicamentos. Neste contexto, Cientistas descobriram que… tanto a COVID-19, quanto seus diversos protocolos de tratamento podem causar problemas bucais nos pacientes1. O SARS-CoV-2 tem revelado habilidades neurotrópicas (afinidade por nervos) e mucotrópicas (afinidade por mucosa) e, por isso pode afetar o funcionamento das glândulas salivares, a sensação de paladar e a integridade da mucosa bucal, interferindo diretamente no ambiente bucal e influenciando o equilíbrio da microbiota. Continuar lendo

“Regeneração” da estrutura cristalina de esmalte: uma vista para o futuro?

Por Michelle Tillmann Biz – Dpto. de Ciências Morfológicas / UFSC

O dente é uma estrutura extremamente complexa composto por esmalte, dentina, cemento, osso alveolar, ligamento periodontal e polpa dentária. Destes tecidos, o mais peculiar é o esmalte por ser o tecido mais duro do corpo e um tecido que perde conexão com a célula que deu origem a ele. Deixe-me explicar!

O corpo possui quatro tecidos mineralizados: esmalte, dentina, cemento e osso. Estes tecidos são formados por uma mescla de matriz orgânica (água e proteínas) e matriz inorgânica (o cristal de hidroxiapatita (HA) formado basicamente por íons cálcio e fosfato e que dá a dureza a esta matriz. Três pontos principais diferem um tecido mineralizado do outro: quantidade de HA, tipos de proteínas presentes na matriz e, por fim, a forma como as matrizes orgânica e inorgânica, se organizam. Em relação a quantidade de HA, o esmalte é o mais duro de todos, seguido da dentina, osso e cemento (97%, 70%, 65% e 60% de HA respectivamente). E particularmente no esmalte, estes cristais se arranjam em prismas que se encontram paralelos entre si. Essa arquitetura única aliada com a quantidade de HA garante ao esmalte não só o fato de ser o tecido mais duro do corpo, mas também de resistência ao desgaste durante as forças da mastigação.

Figura 1: Sequência do nascimento de um dente. Em lilás são representados os ameloblastos e epitélio oral (A-B), note a origem comum destes dois tipos celulares (ectoderma), isso facilitará a fusão deles quando se aproximarem (B). Com a fusão, inicia-se um processo de morte celular (apoptose) que enfraquece o epitélio, e somado à pressão do dente faz romper o epitélio e o surgimento de dente na cavidade oral (C). Ao final, quando o dente estiver em posição na cavidade oral, o esmalte estará completamente desnudo de ameloblastos e o epitélio oral vai circundar o dente na região cervical formando a gengiva (D). Imagem adaptada de Avery & Chiego Jr., 2005.

Ainda, a maneira como o esmalte é formado (pelos ameloblastos, a célula responsável pela Continuar lendo

A presença de nervos sensitivos é importante para formação dos dentes

Por Michelle Tillmann Biz – Dpto. de Ciências Morfológicas / UFSC

O desenvolvimento de um organismo envolve um coordenado e complexo processo de interação entre células de diferentes tipos e origens, que culmina no desenvolvimento de tecidos e órgãos. A manutenção da homeostase (estado de equilíbrio do organismo), durante o processo de desenvolvimento, é muito importante para que o órgão alcance a sua adequada função completa. Assim, alguns estudos já demonstraram que a presença dos nervos fornece este microambiente de homeostase tecidual favorecendo a regulação do comportamento das células-tronco mesenquimais. Em alguns modelos, já se verificou que a “desnervação” (remoção do nervo de um determinado local) impacta o comportamento celular e o desenvolvimento de determinados órgãos. No que tange o desenvolvimento dos dentes, pela primeira vez Cientistas Descobriram Que os nervos sensitivos presentes na face possuem um papel crucial na homeostase durante o desenvolvimento do órgão dentário. Continuar lendo

O impacto do câncer de boca na qualidade de vida dos pacientes

Por Filipe Modolo – Dpto. de Patologia, UFSC

Imagem original: fundacred.org.br

O câncer de boca é uma doença extremamente importante no contexto da saúde pública do Brasil, representando o quinto tipo de câncer mais frequente entre os homens e o 12º entre as mulheres1. Tal importância já foi anteriormente discutida neste Blog, no texto: Qual o seu lugar na “fila do câncer de boca”. O tratamento do câncer de boca é determinado pelo estádio clínico da doença e deve levar em conta a preservação das funções bucais, mastigação, ato de engolir e fala2. A remoção de todo o tumor e mais uma parte do tecido não doente na sua volta é o tratamento padrão e pode ser complementada por radioterapia ou quimioterapia. Continuar lendo