Fusobacterium nucleatum: Uma Bactéria da Boca Pode Estar Impulsionando o Câncer de Mama

Por Ricardo Mazzon – Departamento de Microbiologia – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) 

O corpo humano é colonizado em muitas partes por bactérias, fungos, vírus e protozoários que, quando suas populações são mantidas em número controlado e restritas aos locais que normalmente habitam, contribuem positivamente para o funcionamento do organismo na medida que protegem tais tecidos contra infecções de microrganismos exógenos, contribuem para a ciclagem de nutrientes nestes nichos além de produzir vitaminas e degradar toxinas. Ao conjunto destes microrganismos que habitam um determinado sítio anatômico do corpo humano é dado o nome de Microbiota residente (e.g. microbiota residente da pele, microbiota residente da boca, microbiota residente do trato gastrointestinal e etc). Já é bem estabelecido na literatura científica que, esses microrganismos residentes em determinada região do nosso corpo, quando transportados para regiões nas quais eles não são habitantes usuais, podem se tornar agentes de infecção evento frequentemente referido como uma infecção endógena.

Muitos estudos feitos com as microbiotas do corpo humano apontam potencial interferência destes microrganismos ou repercussão sobre eles em manifestações como obesidade, autismo, diabetes, adicção por drogas, dermatites, doenças intestinais, doenças hepáticas, doenças cardiovasculares, ansiedade, depressão, câncer etc. 

Embora um grande estudo de coorte prospectivo realizado por Jia e colaboradores (2020) não tenha identificado associação clara entre a doença periodontal e o risco geral de câncer de mama, este estudo mostrou um risco aumentado sugestivo de câncer de mama invasivo e risco reduzido de carcinoma ductal in situ independentemente na mesma população.

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Abaixo a corrupção tumoral!! A saga continua

Por Bruno Costa Silva – Champalimaud Centre for the Unknown – Lisboa, Portugal 

Neste texto mostramos uma nova droga que, ao atuar sobre células não tumorais, melhora a resposta de tumores a terapias.

Se estima que apenas em 2020 tenham havido 1.414.259 casos e 375.304 mortes causadas por câncer de próstata globalmente, um tipo tumoral que sozinho corresponde a 15% de todos os diagnósticos de câncer.

Apesar de avanços no desenvolvimento de novos medicamentos, uma proporção de 10-20% destes pacientes virão a apresentar tumores com resistência mesmo aos tratamentos mais modernos.

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Testes genéticos podem levar à indicação de cirurgias mamárias desnecessárias

Por Bruno Costa Silva – Champalimaud Centre for the Unknown – Lisboa, Portugal 

A identificação de modificações genéticas associadas a cânceres tem, há mais de 100 anos, despertado esperança na possibilidade de identificar pacientes mais suscetíveis a desenvolver esta doença e tratá-los antes da progressão maligna dos tumores.  Essa história iniciou com as ideias do citologista Theodor Boveri, que previu a relação entre a instabilidade da composição do DNA de células com o aparecimento de tumores em 1911. Esse conceito foi confirmado nos anos 1960 pelos cientistas Peter Nowell e David Hungerford que associaram a anomalia genética, conhecida como “cromossomo Filadélfia”, com o desenvolvimento de leucemias e, posteriormente, aprofundado por Robert Weinberg, Michael Bishop e seus colegas nos anos 1970, que descobriram as primeiras mutações genéticas (conhecidas como oncogenes) ligadas à ocorrência de tumores.

Em meados dos anos 90, em um trabalho liderado pela cientista Mary-Claire King, envolvendo 329 participantes, descobriu-se modificações nos genes BRCA1 e BRCA2, associadas ao maior risco (~13% em mulheres sem a mutação vs. ~45-80% naquelas com a mutação) de desenvolvimento hereditário de tumores de mama.

Apesar da maioria dos casos de tumores de mama não possuir associação com mutações hereditárias, tem sido cada vez mais comum a tomada de decisões por procedimentos radicais, como a remoção profilática das mamas, em casos onde modificações em BRCA1 ou BRCA2 são identificadas.

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O beijo da morte e a guerra entre linfócitos e tumores

Por Prof. Dr. Giordano Wosgrau Calloni – Depto de Biologia Celular, Embriologia e Genética, UFSC.

Na terceira parte de um dos maiores filmes da história do cinema norte-americano, o Poderoso Chefão, assistimos ao famoso beijo da morte. Michael Corleone beija violentamente a boca de seu irmão Fredo após descobrir a traição que este cometeu. O beijo era o sinal de que Fredo estava marcado para morrer. Para a máfia, este beijo imposto, de certa forma “roubado”, tem como objetivo sinalizar que a morte do ser beijado foi decretada.

Um beijo similar parece acontecer em escala microscópica no nosso organismo. Cientistas descobriram que existem beijos roubados entre as células que podem levar à morte do organismo em sua batalha contra células tumorais. 

Células NK roubam membrana tumoral

Para entendermos o que acontece, precisamos primeiramente falar de um grupo específico de células que circula em nossa corrente sanguínea e que possui um nome que mais parece ter saído de um filme de mafiosos: as Natural Killers, ou abreviadamente, NK, (literalmente assassinas por natureza, ou assassinas naturais). As células NK são um tipo de linfócitos do nosso sistema imune.

Muitos linfócitos são produtores de citocinas, ou seja, de proteínas que, como balas, saem da pistola de um gângster e são lançadas contra outros gangsters. Essas balas, ops, citocinas são lançadas e podem matar tanto células infectadas por vírus, quanto células tumorais. Linfócitos matadores de tumores foram relatados pela primeira vez em 1968, por Hellström e colaboradores. Alguns anos depois, em 1975, Kiessling e colegas, em paralelo com o grupo de pesquisa de Ronald Herberman, definiram uma nova população de linfócitos capazes de atingir células tumorais que foram chamados de Natural Killers (NKs). Portanto, as NKs seriam gângsters que valem a pena termos como aliadas.

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As Marcas do Cancro (câncer) em formato “mind map”

Por Rita Zilhão – Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Portugal

Neste texto, não pretendo escrever sobre “Os cientistas descobriram que…”, isto é, algo específico, mas sim realçar a importância de se proporem estruturas conceptuais e didáticas, para condensar e “arrumar” assuntos complexos associados a uma ampla variedade de descobertas e dados, como é o caso dos intrincados fenótipos e genótipos dos diferentes tipos de cancro (câncer em português brasileiro).

Em 2000 Hanahan and Weinberg escreveram um artigo de revisão(1) onde propunham que um conjunto de capacidades funcionais teriam de ser adquiridas para que as células fizessem o seu caminho da normalidade para estados de desenvolvimento neoplásico e formação de tumores malignos. Esse conjunto de capacidades, a que chamaram Marcas do Cancro (“Hallmarks of Cancer”), partilhadas por todos os tipos de células cancerígenas ao nível do fenótipo celular, estabelece uma estrutura conceptual que racionaliza os complexos e diferentes tipos de tumores humanos, assim como as suas variantes. Inicialmente, começaram por ser seis marcas distintas(1) abaixo enunciadas de uma forma mais detalhada: 

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A produção de colesterol por tumores de mama como estratégia para a formação de metástases

Por Bruno Costa da Silva – Champalimaud Centre for the Unknown/Lisboa, Portugal

Dados recentes da organização mundial da saúde indicam que em torno de 18 milhões de pessoas morrem no mundo anualmente em decorrência de doenças cardiovasculares (especialmente por ataque cardíaco e derrames). Apesar deste dado impressionante, este número era mais do que o dobro nos anos 1980. Além de reduções marcadas no consumo de cigarros e desenvolvimento de tratamentos anti tromboses, um fator marcante para esta queda vertiginosa foi o maior controle dos níveis de colesterol pelo uso amplo de drogas do tipo Estatinas.

Outra causa importante de mortes é o câncer, que causa em torno de 10 milhões de mortes por ano mundialmente. Um dos principais motivos para esta cifra, que continua com tendência de alta, decorre da falta de estratégias diagnósticas precoces que previnam o desenvolvimento de metástases tumorais. Apesar do aprimoramento de tratamentos antitumorais, especialmente por avanços em técnicas cirúrgicas e de drogas alvo-dirigidos, ainda há falta de estratégias eficazes para a prevenção e tratamento de metástases. 

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Conversas cruzadas entre células que coabitam tumores: educação celular ou má influência?

Por Rita Zilhão – Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Portugal

As células cancerígenas, conforme o tipo e acumulação de mutações, podem ser mais ou menos agressivas no sentido de serem mais ou menos invasivas e formarem metástases. Os tumores, por outro lado, além de células cancerígenas, contêm outros tipos de células, como por exemplo células de defesa imunitária e fibroblastos, entre outras. Os fibroblastos associados a tumores designam-se de CAFs (cancer-associated fibroblasts). Os CAFs, por sua vez, podem ser de vários subtipos e coexistir no mesmo tumor, tendo uma ação que promove ou limita a progressão da doença.

Os cientistas têm procurado perceber de que forma as diferentes células no nicho tumoral interagem e se os diferentes subtipos de cada uma se influenciam de forma a modular a invasão, formação de metástases e resistência à quimioterapia. Para tal, o grupo de Vennin et al. gerou dois tipos de ratinhos em que cada um era portador de um tipo diferente de mutação no gene p53 em células do pâncreas. Atenção que o gene p53 é um grande protetor do desenvolvimento tumoral, sendo conhecido como um gene supressor de tumores, na medida em que em condições normais tem uma ação anti-tumoral. Uma das mutações gerada em um dos ratinhos (vamos designá-la de mutação A) era responsável por gerar células tumorais com características mais agressivas e com maior capacidade de formar metástases do que a mutação no segundo ratinho (que designaremos de mutação B). Em seguida, isolaram-se de ambos os ratinhos células cancerígenas e CAFs obtendo-se assim quatro tipos celulares:

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