As melhores descobertas científicas publicadas em 2024 no CDQ

As melhores descobertas científicas publicadas em 2024 no CDQ

Links das publicações:

Revolucionando o Tratamento da Insuficiência Cardíaca

Daniel Fernandes e Gabrielle Delfrate – Departamento de Farmacologia – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

A insuficiência cardíaca é uma condição grave em que o coração não consegue bombear o sangue de maneira eficaz, resultando em uma distribuição inadequada de oxigênio pelo corpo. Esse comprometimento pode levar a sintomas como fadiga, falta de ar e, em alguns casos, tosse persistente. Atividades diárias simples, como caminhar, subir escadas ou carregar compras, podem se tornar extremamente desafiadoras.

A boa notícia é que o tratamento adequado pode aliviar os sintomas e, em alguns casos, ajudar as pessoas a viverem mais tempo e com melhor qualidade de vida. Além disso, recentemente, cientistas descobriram uma nova alternativa  com o potencial de reduzir significativamente os danos causados pela insuficiência cardíaca e outras doenças cardiovasculares.

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Uma dieta saudável e uma molécula ganhadora do Nobel: da boca para o coração!

Por Daniel Fernandes, Departamento de Farmacologia UFSC

No ano de 1998, três cientistas receberam o prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia por suas descobertas relacionadas a uma molécula chamada óxido nítrico. O óxido nítrico já era conhecido como um gás presente na atmosfera, porém estes cientistas mostraram que esta simples molécula formada por nitrogênio e oxigênio pode também ser produzida no nosso organismo por ação de algumas enzimas específicas. E eles foram além, mostrando que o óxido nítrico desempenha um papel importante em vários processos biológicos, incluindo a dilatação de vasos sanguíneos. Hoje sabemos que qualquer condição que limite a produção de óxido nítrico nos vasos sanguíneos pode propiciar o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. 

Mas afinal o que pode reduzir a produção de óxido nítrico no nosso organismo? 

Várias condições como diabetes, obesidade, tabagismo e até mesmo infecções como a causada pelo vírus SARS-CoV-2 geram redução na produção basal de óxido nítrico nos nossos vasos sanguíneos.

Não é por acaso que todas estas condições citadas predispõem o indivíduo a complicações cardiovasculares. Muitas pesquisas vêm sendo realizadas para identificar condições que possam reduzir a produção de óxido nítrico e, portanto, colocar nossa saúde em risco.

Com este objetivo em mente, nosso grupo de pesquisa do Laboratório de Farmacologia Cardiovascular e Renal da UFSC demonstrou que a periodontite, uma infecção na cavidade bucal, pode gerar uma inflamação vascular e reduzir a produção de óxido nítrico1.

Estes achados reforçam a ideia de que as consequências de uma infecção bucal se refletem não apenas na boca, mas em todo o organismo. Indivíduos com periodontite têm 20 a 30% mais chances de sofrer um ataque cardíaco, derrame ou outro evento cardiovascular grave2.

Mas seria possível contornar este problema? 

É claro que no caso específico da periodontite, uma correta higiene bucal é a melhor forma de prevenir qualquer tipo de complicação. Mas além disso, utilizando um modelo experimental de periodontite em camundongos, mostramos que a ingestão de um composto químico chamado nitrato (NO3) pode restaurar os níveis de óxido nítrico por uma via que não foi prevista inicialmente pelos ganhadores do prêmio Nobel.

Nitrato!? Mas isso não pode fazer mal?

Na verdade, os nitratos estão presentes em grande quantidade em vegetais, principalmente em folhas verdes (alface, espinafre, rúcula) e beterraba. Quando ingeridos, eles são rapidamente absorvidos chegando facilmente na corrente sanguínea. A maior parte do nitrato que chega ao sangue é eliminado na urina, porém 25% é captado pelas nossas glândulas salivares. Este mecanismo é capaz de manter um nível constante de nitrato chegando na cavidade bucal. Uma vez na cavidade bucal, o nitrato é transformado em nitrito (NO2) por ação de bactérias da nossa microbiota (grupo de microrganismos) presentes na superfície da língua. O nosso organismo não consegue fazer esta transformação, portanto esta etapa é dependente de bactérias. A saliva rica em nitrito é agora deglutida e uma parcela importante acaba sendo absorvida e chega na circulação. Uma vez na circulação este nitrito pode ser convertido em óxido nítrico, uma reação que pode ser catalisada por diferentes proteínas. Este processo agora conhecido como ciclo êntero-salivar permite a manutenção constante da produção de óxido nítrico no nosso organismo.

Mas esta formação de óxido nítrico a partir de nitratos presentes na dieta é mesmo importante?

Os cientistas já descobriram que uma dieta rica em nitrato pode reduzir a pressão arterial, impedir a formação de coágulos sanguíneos, além de apresentar efeito anti-inflamatório.

Além disso, os cientistas mostraram que uso de antimicrobianos, que matam as bactérias da cavidade bucal responsáveis pela conversão de nitrato em nitrito, acaba quebrando este ciclo, reduzindo a produção de óxido nítrico e elevando a pressão arterial3!

Agora, neste último estudo, nós mostramos que a ingestão de nitrato por um período de 14 dias é capaz de reduzir a inflamação sistêmica associada a um modelo experimental de periodontite em camundongos restaurando a saúde cardiovascular. A ingestão de nitrato produziu benefícios quando administrada preventivamente (antes da indução da periodontite nos animais) e terapeuticamente (quando a periodontite já estava instalada)4.

Este estudo destaca os benefícios potenciais do tratamento com nitrato dietético para melhorar a função vascular em pacientes com periodontite, uma alternativa de baixo custo e de fácil acesso. Sempre vale lembrar que são estudos iniciais feitos em animais, e há muito caminho pela frente. Este estudo destaca também a importância do correto equilíbrio da nossa microbiota bucal, pois se de um lado temos bactérias que podem causar a periodontite, do outro temos as bactérias que contribuem para a produção de óxido nítrico e que podem trazer benefícios para nossa saúde! E estudos realizados em humanos mostram que o consumo regular de vegetais aumenta a população de bactérias benéficas5! Por isso é possível recomendar sem medo uma dieta rica em vegetais!

Para saber mais acesse:

  1. Experimental periodontitis promotes transient vascular inflammation and endothelial dysfunction
  2. Periodontitis and cardiovascular diseases: Consensus report
  3. The Noncanonical Pathway for In Vivo Nitric Oxide Generation: The Nitrate-Nitrite-Nitric Oxide Pathway
  4. Local delivery of nitric oxide prevents endothelial dysfunction in periodontitis
  5. Dietary nitrate improves vascular function in patients with hypercholesterolemia: a randomized, double-blind, placebo-controlled study

Duas células, duas funções, e um cabo de guerra no nosso coração! 

Por Daniel Fernandes, Departamento de Farmacologia UFSC

Cabo de guerra é um jogo bastante popular no qual duas equipes competem entre si em um teste de força puxando uma corda. Recentemente foi tema de um episódio da série “Round 6” que mostrou que o cabo de guerra não é um jogo somente de força, mas pode envolver muita tática e estratégia! Curiosamente uma pesquisa mostrou que nossas células podem estar fazendo um verdadeiro cabo de guerra no nosso coração!

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Nosso coração será o mesmo após a COVID-19?

Por Daniel Fernandes, Departamento de Farmacologia UFSC

A atual pandemia de COVID-19 tem sido um dos maiores desafios da nossa sociedade. E agora, passados alguns anos de seu início estamos percebendo que independentemente da gravidade do quadro inicial de COVID-19 muitas pessoas apresentam acometimentos depois da fase aguda. Esta tem sido uma grande preocupação, já que muitas pessoas depois do quadro de COVID-19 têm muita dificuldade de retornar as suas atividades usuais. Esta condição tem sido chamada de “síndrome pós-COVID” ou “COVID longa”.

Em um estudo publicado recentemente Cientistas Descobriram Que após a recuperação da fase aguda da doença, há um aumento no risco de desenvolvimento de uma série de problemas cardiovasculares como arritmias, infarto do miocárdio e insuficiência cardíaca. E o que é mais preocupante, os riscos aumentados são evidentes mesmo entre aquelas pessoas que não foram hospitalizadas com COVID-19 durante o período agudo da doença. 

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A saga dos cientistas que copiam a natureza: células-tronco artificiais! Será mesmo?

Por Marco Augusto Stimamiglio – Instituto Carlos Chagas – Fiocruz, Paraná

O uso das células-tronco em tratamentos clínicos da chamada medicina regenerativa se baseia sobretudo no potencial destas células em induzir a recuperação dos tecidos que são lesionados ou são acometidos por alguma doença que cause sua degeneração. As características e potencialidades das células-tronco são inúmeras, a depender de seu tecido de origem e do estágio de maturação que se encontre. 

Este blog já dedicou muitos dos seus textos descrevendo promissoras descobertas científicas sobre as células-tronco (veja exemplos aqui). Contudo, o uso destas células na medicina regenerativa enfrenta grandes desafios, seja pela diversidade que dificulta a uniformização da sua aplicação ou pela instabilidade durante seu cultivo e expansão em laboratório. É justamente por este motivo que os cientistas buscam maneiras de copiar as células-tronco e substituí-las por produtos de fabricação laboratorial, multiplicáveis e uniformes, por vezes chamados de células-tronco artificiais.

No ano de 2016, cientistas da Universidade da Carolina do Norte, nos EUA, desenvolveram uma espécie de versão sintética de célula-tronco cardíaca. Micropartículas que imitavam as células foram fabricadas em laboratório, utilizando o conteúdo secretado por células-tronco (conhecido como fatores parácrinos, que são sinais enviados entre as células de um tecido).

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Consumo de gordura, bactérias intestinais e saúde, qual é a relação

Por Daniel Fernandes, Depto. de Farmacologia UFSC

Embora a gordura seja essencial para o funcionamento do nosso organismo, hoje sabemos que o seu consumo excessivo favorece o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. 

Mas como exatamente isto acontece?

Uma série de estudos científicos tem mostrado que as bactérias presentes no intestino, e que compõem a nossa microbiota, são capazes de converter uma substância chamada colina, presente na nossa dieta (abundante em ovos, por exemplo), em uma outra substância chamada trimetilamina (TMA). A TMA é absorvida no próprio intestino e chega até o fígado onde é metabolizada formando um composto de nome um pouco mais complexo, o N-óxido de trimetilamina (TMAO). O TMAO é uma substância tóxica e que favorece o surgimento de doenças do coração. 

Mas afinal o que isso tem a ver com a pergunta inicial sobre a relação entre uma dieta rica em gordura, microbiota e doenças cardiovasculares?

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